O ladrão na cruz - Robert Reid Kalley (1809-1888)



 O ladrão na cruz
Robert Reid Kalley (1809-1888)

* CORREIO MERCANTIL, Rio de Janeiro-RJ, ANO VIII, Nº 85,
QUARTA-FEIRA, 27 DE MARÇO DE 1861.
* CORREIO MERCANTIL, Rio de Janeiro-RJ, ANO VIII, Nº 86,
QUINTA-FEIRA, 28 DE MARÇO DE 1861.
* CORREIO MERCANTIL, Rio de Janeiro-RJ, ANO VIII, Nº 87,
SEXTA-FEIRA, 29 DE MARÇO DE 1861.
* CORREIO MERCANTIL, Rio de Janeiro-RJ, ANO VIII, Nº 88,
30 DE MARÇO DE 1861.
* CORREIO MERCANTIL, Rio de Janeiro-RJ, ANO VIII, Nº 89,
DOMINGO, 31 DE MARÇO DE 1861.
* CORREIO MERCANTIL, Rio de Janeiro-RJ, ANO VIII, Nº 89,
SEGUNDA-FEIRA 1 E TERÇA-FEIRA 2 DE ABRIL DE 1861,
* CORREIO MERCANTIL, Rio de Janeiro-RJ, ANO VIII, Nº 91,
QUINTA-FEIRA, 4 DE ABRIL DE 1861.
*CORREIO MERCANTIL, Rio de Janeiro-RJ, ANO VIII, Nº 92,
SEXTA-FEIRA, 5 DE ABRIL DE 1861.
* CORREIO MERCANTIL, Rio de Janeiro-RJ, ANO VIII, Nº 93,
SÁBADO, 6 DE ABRIL DE 1861.
* CORREIO MERCANTIL, Rio de Janeiro-RJ, ANO VIII, Nº 94,
DOMINGO, 7 DE ABRIL DE 1861.
* CORREIO MERCANTIL, Rio de Janeiro-RJ, ANO VIII, Nº 95,
SEGUNDA-FEIRA, 8 DE ABRIL DE 1861.
* CORREIO MERCANTIL, Rio de Janeiro-RJ, ANO VIII, Nº 97,
QUARTA-FEIRA, 10 DE ABRIL DE 1861.
* CORREIO MERCANTIL, Rio de Janeiro-RJ, ANO VIII, Nº 98,
QUINTA-FEIRA, 11 DE ABRIL DE 1861.
* CORREIO MERCANTIL, Rio de Janeiro-RJ, ANO VIII, Nº 99,
SEXTA-FEIRA, 12 DE ABRIL DE 1861.



I.
BOM? OU MAU?
    “Olhe aqui”, disse D. Luiza Leal a seu primo, que estava assentado com ela em casa do comendador seu pai, que linda estampa do Nosso Senhor!
   Dizendo isso, mostrou-lhe um livrinho que tinha à capa a figura de um homem sobre uma cruz.
   O primo, que se chamava Antônio Alves de Abreu, olhou, leu o letreiro que havia à roda da figura – O ladrão na cruz –, e respondeu: “Não é estampa do Salvador.” 
    “Pois, primo, replicou ela, é muito semelhante a uma, à qual rezo, que julgo ser Nosso Senhor.”
     “Qual Senhor? A prima não vê a inscrição – O ladrão na cruz? Representa o ladrão, e não o Cristo. Se a figura a qual a prima reza é semelhante àquela, talvez esteja acostumada não só a fazer suas orações a uma estampa que nada ouve, mas até à estampa de um ladrão!”
A senhora corou, porque, ainda que tinha quase 23 anos de idade e o pai era um homem rico, não lia muito bem. Olhou, pois, outra vez a figura, e para não deixar-se perceber a vergonha que sentia, disse muito depressa:
“Ah! Sim! É verdade! É o bom ladrão.”
“Eu não o chamo bom, respondeu o primo; era tão mau como o outro; um ladrão que insultou a Jesus, até mesmo na cruz.”
“Como sabeis isso? Perguntou D. Luiza, ainda um pouco confusa.”
“Sei, porque S. Mateus, depois de contar os insultos feitos ao Salvador pelo pontífice e pelas autoridades, diz que “os mesmos impropérios lhe diziam também os ladrões que haviam sido crucificados com ele.” É certo, pois, que nesse dia ambos os ladrões insultaram ao manso e bendito Filho de Deus.
“Não sei o que o nosso vigário diria se vos ouvisse a falar assim. Ele chama-o o bom ladrão, e julgo que o tenho ouvido chamá-lo assim mais de mil vezes.”
“Chame-o assim quem quiser, eu não. Pois consta pelas palavras de Deus que esse homem era um malfeitor, entregue ao algoz a sofrer a pena última por seus crimes, e insultou a uma pessoa santa, justa, inocente, ao mesmo Deus-Homem, quando este sofria injustamente as agonias da crucificação. Ele era bom? Muitas vezes não. Era um malvado que merecia o inferno.
“O primo que tenha cuidado. Parece-me que falar assim é uma blasfêmia contra o bom ladrão.”
“A prima mesma que julgue. Se alguém tivesse insultado o ladrão, ou lhe tivesse roubado alguma coisa, este teria dito que era mal feito?”
“Certamente.”
“Julgando, pois, pela lei metida na sua alma pelo Criador, teria condenado a outro por aquilo que ele mesmo fazia. Sabia a lei de Deus, e a quebrou. Opôs-se ao Criador: fez-se rebelde contra o governo do Altíssimo, e pela lei divina merecia a pena última da perdição. Qualquer criatura, seja quem for, que se levantar contra Deus merece aquele castigo; e, se Jesus tivesse respondido ao ladrão como este merecia, em lugar de lhe dizer: “Hoje estarás comigo no paraíso”, teria dito: “Hoje estarás no inferno com os eternamente perdidos.”
A senhora escolheu. Pouco depois o primo pegou no chapéu, e quando saía acrescentou:
“A prima que pense bem, e veja se tenho razão ou não.”

II.
PÉSSIMO.

Dois dias de depois o Sr. Alves, que era muito amigo de sua prima, foi visitá-la. Achou-a na sala com a sua mãe D. Carlota. Falaram um pouco sobre vários assuntos, e então D. Luiza disse:
 – A mamãe sabe que o primo diz do bom ladrão? Diz que era um malvado que merecia o inferno!
– É verdade, disse o primo; e creio que minha prima é da mesma opinião.
 – Anteontem era; mas ontem, quando o vigário estava aqui, perguntei-lhe, e me disse que haveis de ser enganado, porque falávamos do ladrão que se salvou, e diz ele que a salvação é prova bastante de que este era bom. O que diz o primo?
– Digo o mesmo que já disse, e digo mais. Custa imaginar que pudesse haver um pecador mais desgraçado o desesperado que aquele mesmo ladrão. Era merecedor das penas eternas, por ter quebrado a lei divina e ainda não se tinha arrependido. Já estava na cruz sofrendo agonias atormentadoras e poucas horas de vida lhe restavam. Suas mãos e pés estavam cravados no madeiro; não podia restituir o que tinha furtado, nem reparar os males que tinha feito. Que esmolas podia dar? Que orações fazer? Como emendar a sua vida? Como evitar os castigos eternos que merecia pela sua rebelião contra o Criador? É verdade que ao seu lado estava pendurado o Salvador; mas a Ele o ladrão desprezava e insultava. Que esperança parecia haver para um tal malvado?
– Mas é certo que se salvou, disse D. Luiza. 
– É certíssimo. Mas foi pela bondade do Salvador, e não pela do ladrão. Se a salvação tivesse dependido da bondade do ladrão, não teria havido lugar para a mínima esperança: as agonias da cruz haviam de ter acabado infalivelmente nas misérias eternas do inferno. Salvou-se, não por ser bom; mas, sendo mau e perdido, e sentindo que já não podia fazer coisa alguma com que valer-se, pediu a Jesus a salvação e no mesmo instante A RECEBEU DE GRAÇA. No caso vertente vê-se o poder de nosso Salvador e quão digno e de toda a confiança, pois no seu maior abatimento, mesmo sobre a cruz, pode livrar um miserável que parecia irremediavelmente nas garras da morte e da perdição. Vendo como Jesus valeu a este ladrão, o maior pecador pode tomar ânimo e confiar Nele.

III.
QUEM LÁ ESTAVA E O QUE FAZIA.

Todos ficaram calados por uns poucos de momentos, e então D. Luiza disse:
– Não entendo como o primo pode dizer que o ladrão que se salvou era tão mau como o outros, pois, enquanto eu bordava, hoje Mariquinhas leu-me a história da morte de Cristo, no Evangelho de S. Lucas, e lá se vê a grande diferença entre o bom ladrão e o malvado. Este blasfemou e o outro repreendeu-o.
– Se a prima comparar e combinar o que está escrito sobre a morte de Jesus pelos quatro evangelistas, julgo que me há de entender bem. Vejamos se eu posso expor-lho claramente. Pelas 9 horas daquele dia (o dia mais importante que jamais tinha amanhecido sobre nosso mundo) se tinham plantado três cruzes perto do caminho público, e um pouco fora da porta da cidade de Jerusalém. Nelas três homens estavam encravados. Dois eram malfeitores, ladrões (ou roubadores, que é mais propriamente o sentido da palavra grega), e o terceiro aquele justo servo de Deus, de quem setecentos anos antes fora predito que seria posto no número dos malfeitores. Quando os soldados tinham traspassado com os cravos as mãos e os pés do manso e humilde Jesus, quando tinham levantado do chão a cruz em que foi cravado o Filho de Deus, como homens acostumados a crueldades, sem importarem-se com tamanhos sofrimentos, repartiram entre si os vestidos do Crucificado, e perto da cruz lançaram sortes sobre a sua túnica, e então assentaram-se e vigiaram-O. Depois fixaram na cruz o título que Pilatos tinha escrito em letras gregas, latinas e hebraicas, e que dizia: JESUS NAZARENO, REI DOS JUDEUS. Os que iam passando moveram as suas cabeças, injuriando e insultando, não aos ladrões, mas àquele que tinha curado os seus doentes, alimpando os seus leprosos, ressuscitado os seus mortos, e em quem nunca se tinha achado dolo algum. “Olá, disseram, tu que destróis o templo de Deus e que reedificas em três dias, livra-Te a Ti mesmo, descendo da cruz.” Os príncipes dos sacerdotes e os escribas estavam ali e faziam escárnio de Jesus. Gloriando-se na vitória que ganharam sobre aquele que tinha exposto a hipocrisia que praticavam, disseram entre si: “Ele salvou a outros, a si mesmo não pode salvar. Esse Cristo, rei de Israel, desça agora da cruz, para que o vejamos e creiamos! As autoridades judaicas estavam também perto daquela cruz; pois juntamente com os sacerdotes e escribas tinham conspirado em procurar testemunhas falsas contra Jesus para o fazerem morrer. Juntamente com eles amarraram-O e o levaram a Pilatos, o governador romano, para ser condenado, e juntamente com eles tinham ouvido as palavras de Pilatos: Nem eu, nem Herodes temos achado culpa alguma neste homem.” Lá estavam essas autoridades! Talvez as consciências os acusavam do vergonhoso crime de ter conspirado a matar um inocente, e se desculpavam dizendo entre si: “Ora, se não é o Cristo, merece a morte, por ter-se chamado o Filho do Bendito Deus, e, se o é, então ainda não é tarde demais, pode descer da cruz, e assim provar-nos que é o escolhido de Deus.
      Foi interrompida a conversação por um criado, que queria falar com a Sra. D. Carlota.

IV.
O SALVADOR – O SALVO – E O PERDIDO.

  Quando a senhora voltou à sala, pediu ao sobrinho que continuasse com a história, e ele disse – Os soldados, seguindo o exemplo dos padres e magistrados escarneceram de Jesus, chegando-se a Ele, oferecendo-lhe vinagre, e dizendo: – se és rei dos judeus, salta-te. – Talvez esses soldados fossem da mesma companhia daqueles que pouco antes o tinham vestido com um manto de carmesim, tinham posto uma coroa de espinhos sobre sua cabeça e uma cana na mão, e ajoelhando-se diante Dele O tinham escarnecido dizendo – Deus te salve! Rei dos judeus: – e depois cuspiram Nele, e deram-lhe na cabeça com a cana.
    Os ladrões também escarneceram-O. Esses homens perversos, entregues à morte por seus crimes, trataram como objeto de desprezo aquele varão de dores e parecia julgar que a companhia deles era boa demais por Jesus!   
    Estas ofensas se faziam das nove horas até quase meio-dia e não consta que durante estas três horas Jesus dissesse palavra alguma senão. “Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem.”
     Havia de ser muitíssimo tocante ver o cordeiro de Deus, no meio daqueles lobos, observar como se conduzia na cruz aquele que fora condenado à morte por ter declarado que era o Cristo Filho de Deus e Salvador do mundo, e nessas circunstâncias ouvi-lo chamar a Deus – Pai, falando à Divindade com familiaridade um filho a rogar por seus inimigos.
    Os ladrões podiam ver e ouvir, como também falar blasfêmias e fazer escárnio do Salvador; mas, antes do fim daquelas três horas, um deles, tocado pelo Espírito Santo e movido talvez pela oração que ouvira, arrependeu-se. O outro via e ouvia as mesmas coisas e pode ser que dissesse consigo: “Quem é este? Será o Salvador?” Mas então, vendo o pontífice e os sacerdotes insultando-o, tornasse a dizer: “Não é; pois estes haviam de saber; e se fosse o Cristo em lugar de insultar e crucificar haviam de adorar o Filho de Deus. Então atreveu-se a insultar a Jesus outra vez dizendo-lhe: “Se Tu és o Cristo, salva-te a Ti mesmo e mesmo a nós.”
      Então o arrependimento blasfemo dizendo-lhe: “Nem ainda tu temes a Deus?” As palavras indicam o que sentia aquele que as dissesse. Principiava a temer a Deus, e tinha razão. Principiava a saber quem era aquele que se achava pendurado ao seu lado – O Messias! O grande Rei de Israel! O filho de Deus! – Lembrava-se do que dissera a Jesus e temia. Reconheceu, pois, a justiça da sua condenação: “Recebemos o castigo que merecem as nossas obras,” e defendeu a Jesus! “Este nenhum mal fez.” Depois disse-lhe: “Senhor, lembra de mim quando entrares no Teu reino.”
      Que sentimento tinha aquele criminoso meio-morto quando acreditou que o homem, cuja testa estava coroada de espinhos, cujas costas cortadas com açoites, cujas mãos e pés estavam cravadas na cruz, é que morria lá debaixo da maldição de Deus, era Senhor sobre tudo e rei do céu! Que sentia quando a bondade de Jesus lhe deu ânimo de dizer: “Senhor, lembra-te de mim quando entrares no Teu reino!” E quando Jesus lhe respondeu: “Hoje estarás comigo no paraíso!!! No fim havia certamente uma grandíssima diferença entre os dois ladrões, havia muita diferença nos seus sentimentos e conduta; no princípio, porém, eram iguais, um tão mau como o outro.
– Agora entendo o que meu sobrinho quer dizer disse D. Carlota: os dois ladrões eram ambos maus, mas um se converteu sobre a cruz e se salvou, e o outro não. Não é assim, Antônio?
– Exatamente minha tia. Ambos mereciam a mesma perdição. Um deles cabia nela, está sofrendo-a agora, e sofrê-la-á para sempre; o outro nesse mesmo dia foi recebido no paraíso, e até hoje está no gozo da bem-aventurança da salvação.
– Mas então, disse D. Luzia, se eram merecedores da mesma sorte, como era justo que um fosse tão feliz e o outro tão miserável, e para sempre?

V.

O GRANDE PAGAMENTO.

– A prima pergunta, respondeu Sr. Antônio, como se fez uma tão grande diferença no estado eterno dos dois ladrões, se eram igualmente merecedores da perdição.
– Sim, e desejo saber como podia ser. 
– Não há coisa no mundo mais simples. A santidade e justiça do Deus vivo não podiam consentir que os pecados humanos ficassem sem castigo algum, e tão pouco que o castigo fosse menos do que mereciam; mas, enquanto, com todo o seu coração, Deus aborrecia os pecados, queria bem aos pecadores, queria salvá-los da perdição.
– E por isso mandou Seu Filho a morrer por nossos pecados; não foi assim? Perguntou D. Carlota.
– Certamente. Ora, o castigo que nós merecíamos era a morte debaixo da maldição de Deus; o nosso dia, na companhia do ladrão, Jesus sofria aquele castigo. Morria debaixo da maldição de Deus. Não merecia isso da mão de seu pai. Sofria o castigo dos nossos crimes.
 – O que? Disse a prima. Chama-se justiça carregar sobre o inocente com o castigo do criminoso?
– Não seria justo obrigar o inocente a pagar pelo criminoso; mas se este fosse multado por seus crimes, e o inocente quisesse pagar a multa por ele, a justiça não poderia consentir e aceitar dele a multa?
– Isso, sim, mas por obrigação, não.   
– Pois Jesus pagou porque quis: o pagamento por nossos pecados era tão imenso que todos os homens continuando a descontentá-lo com os padecimentos do inferno, nunca teriam acabado de pagá-lo, mas Jesus quis tomá-lo sobre si! Pagou tudo quanto a justiça exigia: e por isso agora tem o poder e o direito de livrar de toda a dívida aqueles que quer.
- Mas diga-me, meu primo, se tantos mereciam aquela morte terrível, como era possível que a morte de uma só pessoa valesse por todos, de maneira que Ele tivesse o direito de os salvar?
– Porque aquela pessoa tinha a natureza divina também, como a humana. Ele só, valia mais que todos os homens e quando deu a Si Mesmo a morte por nós, a justiça não podia pedir mais. O pagamento era igual à dívida.
– Oh! Primo, como pode dizer assim? Eu disse que se nós fôssemos castigados como merecêssemos estaríamos a penar por toda a eternidade. Os sofrimentos de Jesus na cruz não continuaram para sempre e nem sequer por um dia inteiro; como podia, pois, valer em lugar das penas eternas?
– E a prima como pode perguntar coisa semelhante? Aquele que tem um bilhete por $ 100.000 não pode pagá-lo em tão pouco tempo como se paga $1? Depende do valor que se entrega e não do tempo que se gasta nisso. Jesus tinha em Si valor bastante para de uma vez pagar a dívida toda, e nesse dia a pagou.
– Mas, meu sobrinho, disse D. Carlota, eu também hei de perguntar-te uma coisa. Se Jesus pagou a dívida de todos, então todos se salvam?
– Não, minha querida tia. Um ladrão se salvou, o outro perdeu-se.
– E por que, sendo o pagamento bastante para todos?
– Porque nem todos consentem a ser salvos assim. Não creem que se tem feito o grande pagamento; ou negam que seus crimes sejam tais que careçam dele, ou preferem fazer desconto eles por si mesmos, ou, enfim por um motivo ou por outro, não consentem ficar livres do castigo pelo que Jesus sofreu. Nesse caso, o que pode fazer a justiça, senão obrigá-los a pagar toda a sua multa?
– E parece-te que foi assim com os ladrões?
– Sim. Um, sentindo-se perdido – creu em Jesus, pediu-lhe socorro – recebeu-o e foi salvo. O outro, não crendo, desprezou o Salvador – e perdeu-se. É assim com todos: aquele que crê, salva-se, porque consente a ser salvo de graça por Jesus; aquele que não crê, perde-se infalivelmente. Pois Jesus tem promovido o proveito do seu pagamento a todo aquele que crê, e tem ameaçado que aquele que não crer será condenado. Como se diz neste ano de que gosto:
Jesus Cristo já morreu,
Por pecados já pagou;
Pela morte que sofreu,
Vida p’ra nós comprou.
Jesus mesmo prometeu
Salvação a quem Nele crê,
A promessa que nos deu
Bem merece a nossa fé.
Aceitemos sem demora
Esses precioso dom;
Medos, dúvidas, embora!
Porque Jesus dá perdão.

VI.

O DESCONTO DE PECADOS.

  A conversação foi interrompida por uma visita, e não tornaram a falar no assunto de que tratavam até ao domingo de tarde, quando o Sr. Alves indo à casa do tio achou-o na sala com as senhoras e o Sr. Nery, um parente, letrado e muitíssimo devoto.
   Via-se que tinham estado a falar dele, porque logo que entrou o tio disse ao letrado: – Aqui está o moço mesmo que pode responder por si. Eu cá não entendo essas coisas.
     O letrado, alto e magro, com os olhos vivos, nariz aquilino, e cabelos pretos já se tornando brancos, era um homem que se julgava muito ciente das coisas religiosas e não podia sofrer que sobre elas alguém o contradissesse. Virou-se então ao Sr. Alves e disse: – Ora, Sr. Moço, ouço que você quer fazer-se teólogo e ensinar-nos a religião. Eu também quero uma liçãozinha em tua aula.
     Dizendo assim olhou-o com uma cara do mais insolente desprezo, esperando fazer o Sr. Alves calar-se.  
– Suponho que estais falando da conversação que tive com estas senhoras sobre o ladrão na cruz, respondeu Sr. Alves, sem hesitação, e julgo que não é preciso ser grande teólogo para saber que um ladrão, que insultou Jesus abertamente nas últimas horas da sua vida, era um homem mau, que não merecia estar nesse mesmo dia com Cristo no paraíso, e que quando lá entrou conforme a promessa do Senhor não era pela bondade do ladrão, mas sim pela bondade e poder do Salvador.
– Ora, essa é boa! Disse o Sr. Nery. É essa vossa grande sabedoria nova? Não sabeis que desconto ele fez dos seus pecados nos martírios que sofreu?
– E você não sabe que diferença havia entre os martírios do bom e os sofrimentos do perdido ladrão?
– Sei que ambos morreram na cruz, que se quebraram as pernas de ambos, e que ambos blasfemaram contra Jesus. Sei também que aquele que se salvou repreendeu o outro dizendo-lhe: “Nem ainda tu temes a Deus estando no mesmo suplício, e nós outros o estamos justamente porque recebemos o castigo que merecem as nossas obras, mas este nenhum mal fez,” e então disse ao Senhor: “Lembra-te de mim quando entrares no Teu reino.” É certo que este tanto como o outro merecia a morte debaixo da maldição de Deus, merecia o inferno por toda a eternidade, e V. S. julga que por dizer estas palavras ou sentir profundamente o que disse descontou uma dívida que aliás seria preciso estar descontando para sempre pelas dores da perdição? Eu antes quero crer que se pode com um vintém pagar uma dívida de $ 100.000, 00, do que crer que o ladrão descontou seus pecados na cruz.
     O letrado mostrou-se um tanto desconcertado, mas respondeu:
– O arrependimento fez a diferença, um arrependeu-se e o outro não.
– É verdade, respondeu Sr. Antônio, e sem arrependimento ninguém se salva, mas V. S. falava do desconto dos pecados e é certo que as dores de arrependimento não têm comparação alguma com as dores eternas do inferno. Portanto a justiça não pode aceitar aquelas como pagamento suficiente em lugar destes. O arrependimento, pois, tem tão pouco valor em desconto dos pecados como tem a morte do corpo.
– E a oração que fez? Disse Sr. Nery.
– Pediu a Jesus um grandíssimo favor, respondeu Sr. Alves, mas quem pensa que se paga uma dívida pelo pedir um favor ao credor? O ladrão teve a honra de falar ao Rei dos céus, ao Salvador do mundo, mas quem imagina que o gozo de uma tão grande glória pudesse satisfazer a justiça em lugar do castigo, desprezo e maldição que merecia, e que por esse gozo fizesse desconto dos seus crimes? Não, senhor, não se pagam, pela honra de falar a sua Majestade, o Imperador as suas ofensas feitas às leis do Brasil, muito menos se podem pagar com orações os crimes contra as leis eternas do Criador?
    A Sra. D. Carlota, vendo que o letrado ficava irritado com a contradição de seu sobrinho, tomou a palavra e disse:
– Mas, Antônio, é a fé que nos salva, ela tem muito valor, não foi a fé com que o bom ladrão fez desconto dos seus pecados?

VII.
O DESCONTO DE PECADOS E OS INCÔMODOS DO LETRADO.

– A fé é mui preciosa, respondeu o Sr. Alves, vale mais que todo o ouro do mundo, porque é pela fé que o pecador, se faz participante no proveito do grande pagamento, mas enquanto ao fazer ela mesma desconto dos pecados, não veio nada. Julgo que minha tia há de convencer-se disso, se considerar por um instante o que é a fé. Pois a fé é crer, é crer o que Deus diz. Ora, o acreditar as palavras ditas pelo verdadeiro Deus, não é castigo, não é um castigo tão forte que possa valer em lugar das penas eternas merecidas pelo pecador. A justiça não é capaz de aceitar como castigo suficiente por tantos crimes uma coisa que nem sequer castigo é. É castigo crer as verdades que Deus declara? É um castigo tão grande que uma pessoa de juízo possa confiar Nele como pagamento feito à justiça divina pelos crimes contra as leis do Altíssimo? Não seria tão razoável para o homem mais criminoso neste país esperar que expiasse os seus crimes pelo crer a palavra do imperador!
    O letrado mostrava-se cada vez mais incomodado pelas respostas que recebia. Sua cara se fizera muito vermelha, mudou da sua posição como se estivesse assentado pouco a seu gosto, e seus olhos cintilantes viraram de uma para outra pessoa incessantemente. Via-se que lhe era custoso refrear a língua convinha na presença das senhoras e do Sr. Comendador.
    Depois de se ter calado poucos momentos disse ao Sr. Alves:
– Você nega, pois, que o bom ladrão se salvou! Sabemos que está escrito que ninguém vai ao céu senão pelo caminho de inocência ou da penitência. Por força há de negar que se salvou.
– Onde está escrito que ninguém vai ao céu senão por inocência ou por penitência? Perguntou o Sr. Alves.
A – Está no Evangelho de S. João, respondeu o letrado afoitamente.
    O Sr. Alves pediu então a prima que lhe trouxesse o Novo Testamento. Ele trouxe-lho e ele entregou-o ao letrado pedindo-lhe que mostrasse o lugar.
    Este virou as folhas umas poucas de vezes de um para o outro lado sem achar o que procurava; então olhando com maior atenção o título do livro gritou:
– Ah! Agora vejo como é. Esta é uma daquelas escrituras adulteradas que se tem espalhado tanto entre este povo ultimamente! Você não tem vergonha de meter um livro destes nas minhas mãos?
– Vossa Senhoria tem o conferido com a edição publicada há pouco em Lisboa com aprovação da sua eminência, o cardeal Patriarca?
– Eu conferi-lo? Gritou o letrado, aborreço até a capa dele. Nem tocá-lo quero.
    Assim dizendo jogou no chão e deu-lhe um ponta-pé.
– Pois, disse o Sr. Alves abaixando-se com grande respeito para pegar nas Escrituras Sagradas tão menosprezadas; eu as tenho conferido e sei que esta é uma cópia fiel da tradução do livro de Deus feita pelo padre Antônio Pereira de Figueiredo, e admiro-me que um homem que por sua idade e devoção deve mostrar um exemplo do mais profundo respeito para as palavras do Altíssimo as tratasse com um desprezo tão insultante.
     O Sr. Nery tornou-se pálido de raiva comprimida mordeu seu beiço, e deu duas ou três vezes impacientemente com o calcanhar no chão.

VIII.
Fugida do letrado e fim de desconto dos pecados.

– Dá-me licença meu tio de trazer um livro da sua biblioteca, disse Antônio ao Sr. Leal.
    Certamente, sobrinho, quantos quiseres, disse este que não se importava com coisas religiosas, mas divertia-se com o mau humor do letrado.
    Dali um instante o Sr. Alves voltou com um volume grande mão. Ofereceu-o respeitosamente ao Sr. Nery pedindo-lhe que achasse o verso a respeito da inocência e penitência que tinha citado e dizendo que só estava o Evangelho de S. João tanto no latim da Vulgata como em português, publicado em Lisboa pelo Padre Antônio Ferreira e que desejava vê-lo porque tinha lido a Bíblia toda sem achar semelhante verso.
     O Sr. Nery olhou o livro, mas não pegou nele. Tirou seu relógio; parecia admirado de que fosse já tão tarde e despediu-se dizendo com escárnio que o tempo passava tão depressa na boa companhia do Sr. Alves que ia esquecendo-se de uma coisa que lhe cumpria fazer nessa hora.
    Logo que tinha saído a Sra. D. Carlota perguntou ao sobrinho porque tinha irritado tanto ao bom letrado.
– Ah! Minha tia, respondeu Antônio, tratei-o com todo o respeito e não disse nem uma palavra senão a pura verdade. Não é minha culpa que ele se zangasse com ela.
– Mas então a respeito do desconto de pecados, disse a senhora, como pudestes teimar que não se acham em toda a Bíblia aquelas palavras a respeito de inocência e penitência?
– Porque um barbadinho jamais citou, dizendo atrevidamente que se achavam no Evangelho de S. João. Li-o, pois todo. Não estão lá. Li a Bíblia toda. Não estão lá. E ainda que sou muito amigo da religião não quero vê-la apoiada com mentiras, por isso falei, sem dúvida alguma.
– Mas meu primo disse D. Luiza, quero entender isto a respeito do desconto dos pecados.
– Não dissestes que o ladrão era um criminoso malvado.
– Disse.
– E que não fez desconto algum por seus pecados?
– Disse.
– Então como podia escapar ao castigo que merecia?
– Porque Jesus o levou em lugar dele. A prima não crê que Jesus morreu por nossos pecados??
– Creio, mas...
– Sendo já feito o pagamento – sendo suficiente e havendo uma promessa divina que aquele pagamento seria lançado em conta a favor dos que creem, a prima em lugar de crer e estar contente e alegre ainda que fazer desconto da sua dívida! E NÃO PODE.  Ainda que ficasse todas as penitências e padecesse todos os martírios nesta vida morreria antes de ter feito desconto dos seus pecados. Que morte teria! Ainda devendo sofrer a ira de Deus para sempre!
– Então de que servem todas as coisas que a gente faz em desconto dos pecados!
– De que serve fazer desconto de uma dívida que já está paga? Quem tira lucro dessas coisas? Deus não tem nenhum. Sua justiça está satisfeita com o pagamento já feito. Aqueles que as fazem não têm delas proveito algum: pelo contrário, aumentam mais a dívida.
– Como? Meu sobrinho disse D. Carlota, aumentam mais a dívida pelo desconto que fazem dela!
– Sim, minha tia. Pensam que fazem desconto e QUEREM fazê-lo, mas por isso mesmo ofendem Jesus e aumentam a dívida.
– Como ofendem Jesus pelo fazer desconto dos pecados?
– Porque é a mesma coisa, como dizer-lhe:
    “Senhor, Tu não pagaste bastante. A Tua morte, ó Deus Homem, não vale. Eu hei de fazer, com as minhas esmolas orações por aquilo que Tu não pudeste cumprir com a Tua morte na cruz!”
      É dizer-lhe que não temos confiança no Seu sangue como pagamento, nem Nele como Salvador, mas pagaremos por nós mesmos e seremos salvadores de nós mesmos.
– Mas porque se nos ensina a fazer descontos de nossos pecados.
     Minha tia mesma que responda. Quem tem lucro? Lucro mal ganho se, como o triunfo dos sacerdotes judaicos, for alcançado por ofensas feitas a Jesus?

IX.
AFLIÇÕES.

    As senhoras tinham sentido algum interesse nas conversações que tenho contado, mas não pareciam profundamente movidas pelas verdades que ouviram. Na seguinte ocasião em que o Sr. Alves falou com elas, os olhos da prima mostraram que tinham estado a chorar e todo o seu semblante exprimia a maior tristeza. Não se demorou na sala senão poucos momentos e ele perguntou à tia o que a prima tinha.
– Ora meu sobrinho, disse aquela senhora, bem sei a amizade que tens à prima e contar-te-ei tudo, assim mesmo como aconteceu. Poucas horas depois de saíres no domingo o letrado voltou, e furioso, nunca o vi em um estado tal. Era tudo por teu respeito. Disse que o insultaste grosseiramente em nossa casa e o tio não te repreendeu, e quando o tio disse que o trataste com todo o respeito e que se houve quem faltou às boas maneiras foi o letrado mesmo, de vias tê-lo visto. Em breve, porém, venceu o seu gênio, e tornando a falar muito seriamente disse que o tio não entendia estas coisas ou não as trataria tão levemente, pois que tu disseste na presença dele coisas as mais horríveis que se pode dizer, até heresias tão negras que fossem ditas no tempo do santo ofício e ele as contasse, seriam suficientes para tu seres condenado ao fogo por um herege danado. Respondeu teu tio que graças a Deus hoje não haja, ninguém quer ser estigmatizado como um malvado herege, que ele só falava ao tio por amizade que lhe tinha, pois se tu tivesses ocasião havias de envenenar a prima com a mesma maldita cizânia e então ela, coitada, teria vergonha sobre a nossa casa porque toda a gente de bem havia de desprezá-la e escarnecê-la.
    Não digo que estas coisas não tiveram alguma influência com teu tio, e com letrado vendo-o se fez muito agradável lisonjeando-o, mas o fim de tudo era que aconselhou ao tio evitar o perigo por proibir-te de entrar jamais em sua casa.
    Minha filha tinha ouvido tudo com muita paciência até aquele ponto. Então disse: “Mas senhor, excluir o primo da nossa casa é muito castigo, pois que crime tem feito?
– Tem dito coisas, blasfêmias e heresias, respondeu o letrado, e coisas que são capazes de levar a família ao inferno.
– Disse que Jesus morreu por nossos pecados, será isto uma blasfêmia, senhor? Perguntou Luzia.
– Isso não é blasfêmia; respondeu mais brandamente, pois via que ela se sentia muito escandalizada.
– Disse que Jesus é Deus e Homem, e que se a morte Dele tem valor bastante de pagar pelos pecados do mundo inteiro. É esta a blasfêmia? Perguntou tua prima.
– Também não, tornou o letrado.
– Disse, pois entendi-o bem, que o proveito da morte de Jesus está lançado em conta a favor dos que creem o Evangelho, que Deus mesmo prometeu lançá-lo em conta a favor deles, e que assim é a fé que nos salva.
– Meu primo blasfemou em dizer isso?
– Não. Mas...
– Se a morte de Jesus é suficiente para satisfazer a Deus em pagamento dos meus pecados, e Ele mesmo promete lançar-mo em conta quando creio em Jesus, de que serve mais descontos senão de encher as algibeiras dos...
– Cala-te filha, gritou teu tio e vai a teu quarto já. Não quero mais disto em minha casa.
     Tua prima não responde nada, mas levantando-se foi logo ao seu quarto de dormir. O Sr. Nery ainda ficou muito tempo, com o tio falando da tua heresia temendo que Luzia já estivesse perdida, etc. quando fui ver a minha filha, achei-a deitada na cama chorando e dando soluços que pareciam ser causados por uma dor agudíssima. Falei-lhe, mas não mo podia responder.

X.
A NOITE DE TRISTEZA.

   Via-se na cara do Sr. Alves o que sentia quando sua tia lhe contava tudo isso a respeito da prima.
– Ainda está tão aflita? Perguntou.
– Ainda mais, respondeu a tia; seu ofício de chorar desde a madrugada até à noite e creio que toda a noite também.
– Hei de vê-la, disse Antônio.
– Não sei o que poderá ser, pois ela não parece ter desejos de ver pessoa alguma.
    D. Carlota foi ter com sua filha e contou-lhe o que tinha dito ao primo.
    A filha disse que queria falar com ele, mas não na sala, por isso foi à salinha de costura onde não havia ninguém.
     Quando entrou o primo deu-lhe um abraço e beijou-lhe a testa com muita ternura, e então perguntou porque se achava tão aflita.
- Não é por meu pai estar mal comigo, disse D. Luzia, pois logo depois de caminhar o Sr. Nery, e a mãe dizer quanto eu era a aflita, o pai veio e falou-me com muito amor, e não disse nem uma palavra contra ti. Até é mais carinhoso que antes, e faz tudo quanto se pode pensar para consolar-me.
– Pois, por que estás tão aflita? O Sr. Nery tem te escandalizado mais?
– Não. Ainda não tornou a vir aqui, mas quando o pai me mandou sair da sala, vim a meu quarto e lancei-me irritada sobre a cama, senti que não merecia ser tratada tão asperamente pelo pai, porque não tinha dito nada ao Sr. Nery senão o que era razoável e justo. Mesmo sendo inocente custou-me que o pai me falasse diante de outrem como se fosse indigna de seu respeito. “Deus sabe, disse eu; eu digo que não sou digna do seu respeito somente, mais também do seu mais terno amor, pois sempre tenho amado a meu pai e o tenho tratado com o maior respeito e honra.”
     Nesse mesmo momento chegou-se a convicção com tanta certeza que parecia ser efeito de uma voz do céu que se tivesse cumprido os meus deveres para com o pai na terra era mais e melhor do que tenha feito para o Pai nos céus. Lembrei-me que Deus tem feito por mim muito mais que o pai podia fazer, que Deus era mais digno não só de respeito e amor, mas de obediência e adoração e que pelo faltar dessas me tenha exposto a sua ira, e merecia que ele me falasse asperamente. Principiei a temer, pensei na pouca consideração que tivera para com as Escrituras Sagradas, as próprias palavras do mesmo Deus, isso me fez tremer. Esqueci-me do pai, esqueci-me do Sr. Nery. Não senti nada senão a presença de Deus, e cobri a minha cara com vergonha, pois sabia que ele conhece e aborrece o mal de todos os meus pensamentos, desejos, palavras, obras. Vieram-me cada vez mais à memória os preceitos divinos e quanto tinha faltado de cumpri-los. Admirei-me de que Deus tivesse paciência comigo, e a grandeza da sua paciência e bondade me fez mais triste por tê-lo escandalizado. Assim tenho continuado; todas as horas vou vendo mais da excelência e majestade do Senhor Deus e da maldade dos meus pecados contra Ele, e se for desta maneira, a muito mais julgo que hei de enlouquecer ou morrer.
    A prima tinha dito estas coisas em palavras entrecortadas e com muitas lágrimas, e por fim perguntou o que havia de fazer.

XI.
A MADRUGADA DE ESPERANÇA.

– A prima não sabia antes que era pecadora? Perguntou o Sr. Alves.
– Sabia e dizia que todos são pecadores; mas não era capaz de imaginar que tivesse escandalizado a Deus, tanto como sei hoje, que tenho feito.
– Julgas que o Altíssimo Rei do Universo faz caso das coisas pequenas que tu fizeste?
– Tenho pensado nisso, e estou certa que Deus me conhece e me está valendo todos os dias: e não sendo pequena demais para Ele me criar e valer não sou pequena demais para Ele me criar e valer; não sou pequena demais para Ele me julgar e condenar.
     Bem sei que tenho feito tão pouco caso dele e das Suas leis como se não houvesse nem Deus, nem leis Dele.
– Meu Deus é vingador?
– Ele é justo. Tem direito de governar as suas criaturas, e deu Sua lei para regra de nossa vida, mas eu tomei como regra a minha vontade e a vontade dos meus pais; nada mo importei com a vontade de Deus. agora não tenho desculpa alguma, e não posso esperar da mão do juiz justo senão ser privado de todos os bens, e condenada a sofrer as penas declaradas na lei divina. E, então, oh! Eternidade! Eternidade! Que farei debaixo desta ira de Deus durante a eternidade!
  Dizendo assim, ficou pálida como morta, enquanto todas as suas feições mostravam uma tristeza, ou antes agonia, que podia julgar mortal.
– Não te lembras do ladrão na cruz? Perguntou o Sr. Alves.
– Sim, mas de que me serve lembrar de outra qualquer nesta miséria. Sou a miserável dos pecadores. Vejo-me perdida e sem esperança alguma, tudo me é triste. Nunca jamais poderei ter alegria.
– Tal era o caso do ladrão na cruz, e ainda mais desesperado, mas no mesmo dia estava ele no paraíso com o Salvador; tu, minha cara prima, ainda hás de estar tão feliz como ele.
– Eu... respondeu, abanando com a cabeça como quem ouvira uma coisa que nunca podia ser.
– Tu. Não crês em Jesus? Não crês que o sangue Dele tem tanto valor que satisfaz por todos os pecados? Não crês que Ele prometeu o proveito da Sua morte a todo aquele que crê?
     Então, abrindo o Testamento Novo, o Sr. Alves leu um verso em que se diz que (1) Cristo morreu por nossos pecados, outro em que afirma que o (2) sangue Dele alimpa de todo pecado, e outro em que Jesus declara que (3) aquele que ouve as palavras Dele e crê aquele que o enviou, tem a vida eterna, não incorre na condenação, mas passa da morte para a vida. Virando as folhas para outro lugar leu: “Vinde a Mim todos os que andais em trabalhos e vos achais carregados, e Eu vos aliviarei.”
– Mas como hei de ir a Jesus? Disse D. Luiza.
– Ele é Deus, tomou o primo, está aqui. Vamos falar-lhe já.
    Faz-lhe sinal que se ajoelhasse, então ajoelhando-se junto dela disse com a voz trêmula de emoção.
    O Jesus Salvador dos pecadores chego-me a Ti com minha prima que está tão aflita como vês, e que se ache muito carregada, e Te pedimos cumprir a Tua promessa a aliviar-lhe esta sua terrível tristeza ajudando-a a confiar em Si como um Salvador fiel, capaz de livrar da perdição e dar vida eterna no céu. Faz isto, ó Cristo para glória do Teu nome.
     Ficaram ajoelhados uns dois minutos, depois de acabar essa oração. O Sr. Alves sentiu que ela estava tremendo, mas quando encarou seu rosto viu que não era tão triste e julgava que percebia nele alguns raios da madrugada de esperança. Sem dizer mais despediu-se.

XII.
A MANHÃ DE ALEGRIA.

No dia seguinte o Sr. Alves tornou a visitar sua prima e achou-a tão mudada que não parecia a mesma pessoa. Os seus olhos ainda mostravam que tinha chorado e chorado muito, enquanto em todas as feições via-se que experimentava uma paz e alegria muito diferentes da angústia e aflição que antes sentia.
    O primo perguntou-lhe como tinha passado, e ela respondeu que no dia antecedente, quando ele fazia oração, tinha sentido que Jesus estava presente e que Ele ouviu o que se disse, e que, depois da saída do primo, ela foi ao seu quarto e lá pôs-se a meditar assim:
– Falei a Jesus! Ao Salvador! Aquele mesmo que escutou ao ladrão na cruz! Falei-lhe! E Ele ouvia porque é Deus. falei-lhe! Pedi-lhe juntamente com o primo que cumprisse a Sua promessa e me livrasse desta minha terrível aflição. Ele sem dúvida o fará, pois é verdadeiro e fiel; convidou a todos os que se chegassem a Ele:
– Esperáveis que Jesus vo-lo fizesse por serdes merecedora? Perguntou o Sr. Antônio.
– Não, meu primo. Bem sentia que era merecedora da morte debaixo da maldição de Deus; mas lembrei-me do ladrão, e disse comigo: Ele não era merecedor de bem algum nem foi convidado a pedir, mas pediu e no mesmo momento alcançou até mais do que pediu. Eu sou convidada, porque sou daqueles que se acham carregados e a todos os tais Jesus convidou, a todos os tais que se chegam a Ele fez esta promessa, e ainda que sou a mais indigna, cumpri-la-ei em meu favor.
– Então ficastes alegre?
– Não, mas tinha a convicção de que Jesus cumpriria a Sua palavra e fiquei mais sossegada. Peguei nas Escrituras Sagradas, achei nelas umas palavras tão lindas que me fizeram ter mais esperança, e não sei como foi, mais tudo o que lia, e o que me lembrava das palavras que antes tinha lido foi acompanhado de uma luz e certeza tal como nunca senti na lição de qualquer outra coisa.
– Foi o Divino Espírito Santo que vos tinha convencido dos vossos pecados e que vos ajudava a compreender as palavras do Eterno.
– Creio que sim; mas, seja como for, fez-me ter um gosto na lição das Escrituras Sagradas, que não tinha imaginado ser possível. Depois tinha vontade de falar a Jesus outra vez, e lembrando-me de Seu convite, lancei-me de joelhos; e logo sobreveio-me uma impressão tão viva da majestade, santidade e glória do Deus-Homem e da maldade e ingratidão de toda a minha vida, que não era capaz de dizer nem uma palavra – parecia que meu coração havia de arrebentar – nem chorar podia. Demorei-me assim não sei quanto tempo; então tornei a lembrar-me da bondade com que aquele Altíssimo Senhor convida a Si os pecadores carregados, e do amor com que tratou o ladrão, e ia falar-lhe quando fui proibida por uma voz na minha alma, que disse: “Ingrata, malvada, digna da maldição de Deus! Tu te atreverás a falar Àquele santíssimo Deus que insultaste? Fala aos santos, aos anjos, a quem quiser; mas a Ele, não.”
– Ah! Interrompeu o Sr. Alves, bem sei quem foi que assim vos falou; foi o mesmo demônio; aquele inimigo das nossas almas, que não se importa de tudo quanto o pecador faz (pois sente que ainda tem-o em seu poder), conquanto não se chegue ao Salvador.
– Não sabia que assim falava, mas sentia que não havia esperança alguma para mim se não alcançasse o socorro do mesmo Jesus. Voltaram-me à memória as palavras de Jesus: “VINDE A MIM.” Julguei que talvez a minha morte estivesse tão perto como a do ladrão quando pediu ao Cristo; e arrebentaram-me da boca e do coração, da minha alma, com um desejo veementíssimo e uma força que não podia resistir, as palavras: – Jesus!  Jesus! Salvador de pecadores! Valei-me! Salvai a minha alma! Salvai-me daquela perdição eterna, que mereço. – Não pude dizer mais. Levantei-me; passeava no quarto e em breve achei em mim um sossego e uma paz que pareciam como o céu claro e a bonança depois de uma tempestade horrível.
– Como alcançastes aquela paz?
– Não o posso explicar. Sei que pensava na morte de Jesus como pagamento por meus pecados; no poder de Jesus para valer aos desgraçados como valeu ao ladrão; no amor de Jesus, abaixando-se do trono do céu até à morte no Calvário, para salvar os perdidos; na promessa de Jesus de valer aos que se chegam a Ele e de que aquele que crê Nele tem a vida eterna; e creio que a paz nasceu da confiança que tinha em Jesus. Sentia que Ele era capaz de me guiar, tinha certeza de Sua bondade, e da verdade das Suas palavras; assim pude sossegar.
– Mas vejo que a prima ainda tem estado a chorar.
– Sim, mas estou muito feliz. Choro, porque vejo cada vez mais quão ingrata tenho sido, e ainda sou, e quão feios são meus pecados contra um Deus de bondade tão imensa. Choro, mas confio em Jesus, e estou muito alegre.
– Isto, disse o Sr. Antônio, me faz lembrar dos versos:

Jesus sendo meu
Estou muito feliz,
Vou para o céu
O lindo país.

Eu não mereço,
Sou grande pecador,
Mas eu conheço
O forte Salvador.

XIII.

O DIA DA GLÓRIA.
Poucos meses depois dos sucessos que tenho contado, o Sr. Alves casou-se com a Sra. D. Luzia.
    Ambos continuaram a ter cada vez mais gosto na lição das Escrituras Sagradas, mais confiança em Jesus, mais esperança das coisas preciosas e eternas, que Deus promete aos que creem, e mais amor entre si, e para com os amigos de Jesus.
     Via-se na sua conduta que amavam ao Salvador, pois, procuravam em tudo fazer-lhe a vontade. Faziam muitas orações e esmolas e eram prontos para toda a obra boa; e isso não para fazer o desconto dos seus pecados, pois creram que foram pagos há muitos séculos, mas para agradar ao amigo que pagou tudo por eles.
     Tinha o costume de ajuntar pela manhã e à noite todos os que estavam na sua casa para ler juntos uns versos da Bíblia Sagrada, cantar juntos os louvores do Salvador, pedir juntos o que precisavam para os deveres do dia, e juntos dar graças pelos favores que recebiam da mão de Deus. Quando os seus filhos ainda eram mui pequenos, era um grande gosto vê-los de joelhos com as mãozinhas juntas olhando para cima e dizendo – Nosso Pai que estais no céu – e ouvi-los cantar os hinos. Era muito interessante e até tocante vê-los com as lágrimas nos olhos em pé a roda da mãe, quando ela lhes falava dos padecimentos do bom Jesus que viera dos altos céus para nos salvar ou da menina que morreu e o bom Salvador fez tornar a viver.
    Enfim não havia família na vizinhança mais alegre ou mais amada; mas o estado mais feliz deste mundo não atura para sempre, e Deus castiga seus filhos até os bem amados.
     O filho mais velho do Sr. Alves já tinha dez anos, o segundo tinha oito, o terceiro, cinco e o quarto, três, quando Deus concedeu aos pais o que muito desejavam, uma filha. O dia em que ela nasceu foi num dia de muita festa, mas poucas horas depois grande era a tristeza que lá reinava, a mãe se achava em perigo, e pouco depois a mãe estava morrendo. Era terrível, do alto de tanta alegria ser lançado na profundidade de tanta aflição, e tão de repente. Toda a casa amava a D. Luzia como mãe, toda a casa a chorava. Ela, porém, não chorou. Padeceu muitas dores, mas estava sempre alegre.
      Tinha passado duas horas com os olhos quase sempre fechados, e como os médicos disseram que, se dormisse um sono sossegado, esperariam melhoras, o pobre marido lá vigiava com a mais viva ansiedade. Durante essas duas horas se tinha lisonjeado com a esperança de que ia bem. De vez em quando observou nas feições da senhora uma expressão de dor agudíssima, mas logo depois sorria-se de maneira que seu rosto parecia ser o rosto de um anjo, e então mostrava-se no seu semblante a mais perfeita paz.
     Quando eram horas de lhe dar o remédio, que ele sempre dava com sua mão, o Sr. Alves beijou-a, e disse que esperava que se achasse melhor. – Estou muito boa, meu amadíssimo marido, respondeu; estou mais feliz que jamais estive em toda a minha muito feliz vida; mas enquanto à melhoras desta moléstia sei que não hei de ter nenhumas.
– Não diga isso, minha prezadíssima Luzia, disse o Sr. Alves. Nosso Deus tudo pode, e espero no Seu amor que vos tornará a dar saúde para minha alegria e o bem dos nossos filhinhos.
– Queridos filhinhos! Bendita filha! Deixo-os com toda a confiança em tuas mãos e ao cuidado do meu Salvador. Vos trará todos para onde vou eu primeira.
     Vendo as lágrimas do marido, disse:
– Não te lembras do que Jesus disse ao ladrão? Assim me disse a mim. Estarei com Ele hoje. HOJE hei de vê-lo, assim como Ele é; e tu chorarás?
    Então disse com palavras entrecortadas que, quando estivera com os olhos fechados, custava-lhe conter-se, por ver tanta majestade, tanta glória, tanta bondade, tanto e tão tenro amor no Altíssimo Deus, e por crer que Ele se fez homem, morreu pelos pecadores e nos tem feito a nós, miseráveis réus, promessas tão ricas e tão seguras.
– Esta confiança em Jesus, disse ela, me faz alegrar e triunfar até na morte. Agora, no meio destas dores, sinto-me defendida por Ele, levada por Ele para cima deste mundo. Estou ouvindo vozes. Estou vendo, o que? Glória, glória, glória.
     Ficou exausta pelo esforço que tinha feito. Durante as horas que ainda viveu pouco disse; mas eram palavras de consolação, alegria, triunfo, glória. Não parecia ser a morte, antes era uma entrada triunfante na vida e glória do céu.


XIV.
DESCANSO ETERNO.

   Depois da morte da sua senhora, o Sr. Alves não fez nada para o descanso eterno da sua alma. Com isso ficou muito escandalizado o Sr. Nery e falou fortemente contra o viúvo até o ponto de dizer que o amor que mostrara à falecida não era mais que uma máscara, pois se fosse verdadeiro não poderia deixá-la sem fazer todo o possível para o seu bem no mundo para onde tinha ido.
     Contaram essas palavras ao Sr. Alves, que foi logo à casa do letrado e perguntou se as tinha dito. Ele não as negou, pois disse o Sr. Alves:
– Esteja certo que se eu cria que fizesse bem a alma de minha queridíssima companheira, daria todos os meus bens e julgo que não havia de poupar sequer a minha vida, mas estou certíssimo de que ele não carece de nada para seu descanso eterno.
– Mas, disse o Sr. Nery, ela morreu de repente, quem sabe o que ela teria dito ou feito nos seus últimos dias e quanto seja preciso para o descanso da sua alma.
– Sr. Nery, respondeu o Sr. Alves, sei com tanta certeza que minha bendita mulher está com Cristo no paraíso como sei que eu estou aqui. Não está descansando somente, está mais alegre do que nós neste mundo podemos imaginar.
– Não quero por em dúvida a felicidade da falecida, mas sempre era pecadora. Talvez não tenha descontado todos os seus pecados, e, se não, os vivos devem fazer todo o possível para valer-lhe.
– Vossa senhoria pode dizer-me quanto vale o sangue de Cristo? Perguntou o Sr. Alves.
– Uma só gota valia pelos pecados do mundo todo.
– Eu não creio assim, respondeu o Sr. Alves.
– O castigo dos nossos pecados era morrer debaixo da maldição de Deus, e se Jesus tivesse dado uma só gota do Seu sangue não teria pego a nossa dívida e não poderia ser nosso Salvador. Ele, porém, sofreu tudo que a justiça pedia, e o derramamento de Seu sangue até a morte debaixo da maldição de Deus tem valor bastante para satisfazer pelos pecados de todo o mundo.
– Disso não pode haver dúvida, disse o Sr. Nery.
– Ora sei que o proveito daquele pagamento foi lançado em conta a favor de minha mulher por Deus mesmo, porque Ele prometeu fazê-lo a favor de todos os que creem as Suas palavras e confiam em Jesus. Sei que ela cria e confiava assim, e se Ele não faltou a Sua palavra (coisa que é impossível) ELA FICOU LIVRE DE TODA A DÍVIDA E DE TODA A CONDENAÇÃO. Ora, aquele que ainda quer fazer desconto, não confia na morte do Cristo não tem o proveito dela. Quereis que eu largue a minha confiança na morte de Cristo, no pagamento que vós dizeis infinito para confiar em coisas que não têm valor nas palavras e obras desses homens tão pecadores e dignos da perdição, como eu mesmo sou? Por minha parte não procurarei fazer desconto algum, porque julgo que seria o mesmo que negar o valor da morte do Cristo, e dizer que nós banca-roteiros podemos pagar com o nada que temos aquilo que Ele não podia acabar de pagar ainda com os infinitos merecimentos do Seu santíssimo sangue! Não, senhor, não quero insultar o Pai no céu pelo duvidar da Sua palavra, nem o Filho pelo fazer tão pouca estimação do Seu sangue. Enfim, assim como o ladrão foi ao paraíso e estava com Cristo no mesmo dia em que morreu, também a minha santa mulher, logo que seu espírito se ausentou do corpo, se ajuntou com a companhia dos espíritos dos justos aperfeiçoados, se achou com Nosso Senhor. Mesmo aqui comigo, nas últimas agonias da paz, com Deus por meio de Jesus, agora não tem dor, nem choro, nem mal algum. Está já no descanso perfeito, gozando da alegria eterna.

Há uma fonte cheia do sangue
Das veias do Senhor;
Lavando-se nela alimpa-se
O maior pecador.

O vil ladrão gostou de ver
Aquela fonte manar,
E sobre a mesma cruz achou
Que pode purificar.

Senhor Jesus! O Teu sangue
Ainda tem poder;
Eu também lavado Nele
Sem mancha hei de ser.


Fim.

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