Porque Mariquinhas amava seu pai



Pobre Mariquinhas!

Ela fazia todo o possível para fazer com que a sua morada tivesse uma aparência alegre, mas era tudo em vão; as paredes estavam tão negras pelo tempo e pelo fumo que ela não podia limpá-las melhor, e apesar de esfregar e tornar a esfregar o soalho, este sempre ficava negro. Os poucos vidros que havia na janela estavam limpos, mas a maior parte dos caixilhos estava tapada com farrapos e papel para não entrar o vento. O lume era a única coisa que alegrava. Mariquinhas geralmente fazia por conservar o lume bem aceso, apesar de que às vezes era um pouco difícil fazê-lo durar até que seu pai lhe pudesse dar mais dinheiro.

     E agora, muito cedo, de manhã, a Mariquinhas está muito ocupada; ela tem alimpado o fogão, arrumado o quarto, acendido o lume, e posto a chaleira a ferver.

     Agora está pondo a mesa para o almoço, para que tudo possa estar pronto quando o pai acordar, e tão entretida está ela, que não percebe que dois olhos a estão vigiando do canto da sala.

 – “Mariquinhas!”

 – “Senhor”, diz ela um pouco assustada.

– “Por que te levantas tão cedo e arranjas tudo tão bem para um pai que é um bêbado?”

– “Porque eu o amo, meu pai!”

– “Tu amas-me, Mariquinhas?”

– “Sim, senhor, eu o amo muito”, disse Mariquinhas com toda a doçura. “Não tenho mais ninguém a quem posso amar.” Dizia isto num tom triste e magoado, pois que estava pensando no tempo em que sua mãe carinhosa cuidava dela e a defendia de toda e qualquer palavra ou olhar áspero. E parecia ser a tanto tempo!

– “Mas, Mariquinhas,” continuou seu pai meio levantado na cama, onde na noite antecedente se tinha deitado, vestido como estava, para lhe passar a bebedeira, “estás certa que me amas?”

– “Oh! pai, não fale assim. De certo que eu o amo.”

   Por algum tempo o pai não disse mais nada, mas ele vigiava sua filhinha trabalhando, enquanto ele pensava. Depois disse:

– “Mariquinhas, por que amas tu um malvado dum pai como eu sou; desgracei minha mulher, minha casa e minha filha. Por que me amas?”

     Mariquinhas ficou pasmada a olhar para ele. Sua voz tinha um tom de mansidão que ela raras vezes tinha ouvido, e nos seus olhos brilhava um olhar doce e meigo. Ela até pensou que nos seus olhos havia lágrimas.

– “Oh! pai,” respondeu ela, mansamente. “Quando a mãe estava a morrer, ela disse-me que fosse sempre boa para si, e nunca desanimasse, porque qualquer dia o pai deixaria de beber, e que o nosso lar seria mais uma vez alegre”.

     Mariquinhas estava agora a chorar, e era assim triste, que olhava para ele. O coração do pai tinha, por fim sido tocado, e as orações de sua mulher respondidas.

    O homem levantou-se e pegando na mão de Mariquinhas, disse solenemente:

– “Ajudando-me Deus, eu nunca mais me entregarei à bebida”. E ele cumpriu a sua promessa. 

     Tal foi  a influência do serviço paciente e amável duma criancinha. E se o amor duma criança podia assim amolecer o coração do pai, não quebrará enfim o paciente amor de Deus, o coração do pecador endurecido que tem resistido a esse amor tanto tempo? – A. J. B.

O INFANTIL.
ANO III, Nº10, RIO DE JANEIRO, OUTUBRO DE 1914, p. 148-150.

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