Pilgrim’s Progress Part II , John Bunyan (1628-1688)
Caros companheiros. – Há algumas
semanas relatei-vos um sonho que tive de Cristão,
o peregrino, e a sua viagem penosa para a terra celeste, e suponho que vos foi
proveitoso, bem como agradável a mim. Disse-vos também o que presenciei a
respeito de sua mulher e seus filhos, como não quiseram acompanhá-lo na sua
viagem, de modo que foi obrigado a deixá-los, por ter medo daquela destruição
vindoura, se ficasse com eles na cidade da Corrupção;
portanto, como já disse, deixou-os e saiu.
Tendo
muitos negócios, fui impedido de encetar as minhas viagens do costume para os
lugares donde ele saíra, por isso não se me ofereceu oportunidade de ouvir
alguma daquelas coisas que ficaram; porém, como tivesse alguns negócios
naqueles sítios, segui ultimamente para ali. Tendo pousado em um bosque à meia
légua distante, dormi e sonhei outra vez. Vi no meu sonho passar um velho, e
como ia no mesmo caminho que eu, julguei que me havia levantado e o
acompanhava.
Enquanto caminhávamos, como é o costume dos viajantes, travamos
conversação e tratávamos de Cristão e
das suas viagens.
– Meu senhor, disse eu, que cidade é aquela que
fica à esquerda do nosso caminho? Então respondeu o Sr. Sagacidade, que assim se chamava:
– É a cidade da Corrupção, uma praça muito povoada, porém de gente muito má e
vadia.
Julguei que fosse mesmo essa cidade, disse-lhe eu; lá estive uma vez;
portanto, sei que o que acabais de dizer é a verdade.
O Sr. Sagacidade. – Pois é, oxalá
que eu pudesse contar melhores coisas daqueles que lá habitam e ao mesmo tempo
dizer a verdade.
– Por isso, vejo que és um homem que estimas a
todos; portanto, deves alegrar-te em ouvir e contar coisas boas, respondi-lhe.
Tens sabido do que aconteceu a um homem que há tempo saiu daquela cidade,
conhecido por Cristão, que encetara
uma viagem para a terra celeste?
O Sr. Sagacidade. – Pois não; ouvi falar
também das desgraças, incômodos, guerras, prisões, gritos, gemidos, sustos e temores
que encontrou na referida viagem, além disso todos falam dele nestes sítios; há
poucos que tenham ouvido alguma coisa a seu respeito sem procurarem a história
da sua viagem e posso mesmo dizer que a sua penosa viagem tem conduzido muitos
a imitá-lo, porque, ainda que ele fosse conduzido por todos como um louco,
enquanto estivesse aqui, é agora muito estimado de todos. Dizem que vai muito
bem onde se acha, e ainda que não queiram afrontar os mesmos perigos, desejam,
contudo receber a mesma recompensa.
– Podem ter a certeza, disse-lhe eu, de que ele
acha-se muito feliz, porque vive agora junto à fonte da vida e já não tem
penosos trabalhos, nem tristezas, visto lá não haver mais dor. O que, porém,
dizem dele?
O Sr. Sagacidade. – Muita coisa
estranha. Dizem uns que anda vestido de branco, com uma corrente de ouro
pendente do pescoço e uma coroa de ouro marchetada de pérolas sobre a cabeça;
outros, que os espíritos celestes que lhe apareciam algumas vezes durante a sua
viagem, são agora os seus inseparáveis companheiros, com quais harmonizou-se
tanto, como um vizinho com outro, aqui na terra.
Ainda
mais, afirma confiadamente que o rei do lugar onde ele está, lhe tem destinado
uma morada muito rica e agradável na sua corte e que todos os dias bebe e come,
passeia e conversa com ele, recebendo mercês daquele que é o Juiz de todos.
(Zacarias 3:7; Lucas 14:14-15).
Além
disso, alguns esperam que o seu rei, o Senhor daquele país, virá brevemente a
estes lugares saber qual a razão porque o desprezaram e zombaram tanto dele,
quando determinou a sua viagem (Judas 14:15); porque, dizem, o seu rei o ama
tão extremamente e afligi-se tanto com as indignidades que com ele praticaram
quando viajava, que considera tudo como se fosse feito a si próprio. (S. Lucas
10:16). E não é de admirar, porque, em virtude do seu amor para com o rei é que
atreveu-se a fazer o que fez.
– Não duvido, disse-lhe eu, e muito me alegro
com a causa desse pobre home que hoje descansa dos seus trabalhos e recebe com
prazer a recompensa das suas lágrimas e também porque está livre do alcance dos
seus inimigos e dos que o odeiam. (Apocalipse 14:13; Salmo 125:5-6).
Estou
completamente satisfeito, porquanto a notícia destas coisas está espalhada
nestas praças. Quem sabe se aqueles que lá estão não tiram bom resultado. Mas
enquanto estamos falando dele, sabes alguma coisa acerca de sua mulher e
filhos? Coitados, desejo saber do seu estado.
O Sr. Sagacidade. – Quem? Cristiana e seus filhos? Provavelmente
passam tão bem como Cristão. Ainda
que enlouquecessem no princípio e não se deixassem persuadir pelas lágrimas e
rogos de Cristão, arrependeram-se
depois e o seguiram.
Tanto
melhor, respondi-lhe, mas todos? A mulher e os filhos o seguiram?
O Sr. Sagacidade. – Sim, posso afirmá-lo, porque lá estive quando saíram e sei de
tudo.
– Então, disse-lhe eu, pode-se asseverar que é
real esse fato?
O Sr. Sagacidade. – Sem a menor
dúvida, digo que todos partiram, tanto a mulher como os filhos, e visto que
temos de caminhar juntos por algum tempo, revelar-vos-ei a história da sua
partida.
Esta Cristiana (assim se chamava desde o dia
em que ela e os filhos partiram), depois que o seu marido atravessou o rio,
nada mais ouvindo a seu respeito, principiou a entristecer-se, primeiramente
porque tinha perdido seu marido, sendo desfeita aquela relação íntima que havia
entre eles.
Sabes, disse-me ele, que os sobreviventes têm de sofrer muito com a
perca daqueles que lhes são caros. A perca, portanto, que ela teve de seu
marido, custou-lhe muitas lágrimas. Mas isso não foi tudo: começou a supor que
a sua conduta inconveniente para com seu marido fosse a causa de não o ver
mais. Veio-lhe então à lembrança todo o seu duro e desnatural comportamento
para com o seu caro amigo; doeu-lhe o coração e ela reconheceu a sua culpa.
Afligia-se tanto mais com a lembrança dos gemidos agonizantes, das lágrimas e
lamentações de seu marido, recordando-se do modo porque endurecia o seu coração
contra todos os seus amáveis rogos, quando lhe dizia que o acompanhasse com os
seus filhos.
Não
havia coisa que Cristão lhe houvesse
dito ou feito, enquanto andava com o fardo às costas, que não se lhe
rememorasse como um relâmpago e não lhe doesse o coração, principalmente aquele
grito terrível: “Que hei de fazer para me salvar!” Soou-lhe dolorosamente nos
ouvidos. Disse ela então aos filhos: “Meus filhos, estamos perdidos. Pequei
contra o vosso pai e ele já não está aqui. Ele queria levar-nos consigo, sem
que eu aquiescesse; também vos impedi de acompanhá-lo.
Imediatamente
os moços de desfizeram em lágrimas e dispuseram-se a seguir o exemplo de seu
pai. Oxalá, disse Cristiana, que o
tivéssemos seguido, teríamos procedido melhor naquela ocasião do que hoje.
Outrora julguei que os incômodos de vosso pai fossem provenientes de uma
fantasia, ou de um espírito melancólico; mas agora reconheço terem-se originado
de outra razão, que consiste em ter-lhe sido dada a luz da vida (Tiago 2:23-25;
João 8:12), escapando ele assim das ciladas da morte (Provérbios 14:27). Tornaram
então eles a chorar e clamaram: ai de nós, ai de nós!
Imprensa Evangelica, nº 39,
26 de Setembro de 1878, p. 307-308
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