Vi no meu sonho que seguiram pelo caminho determinado e que o
tempo era bom.
Do outro lado do muro
que defendia o caminho que haviam de seguir, existia um jardim pertencente ao
dono do cão, e algumas das árvores suspenderam os seus ramos carregados de
frutos, por cima do muro, os quais, estando maduros, os que precisavam deles
colhiam-os e comiam. Portanto, os filhos de Cristiana,
vendo os frutos, apanharam alguns e principiaram a comê-los. Sua mãe
repreendeu-os, mas eles sem atenderem à repreensão continuaram a colher os
frutos.
– Bem sabeis, meus filhos, disse ela, que estais transgredindo a
lei de Deus; estes frutos não são nossos.
Ela, porém, não sabia
que pertenciam ao inimigo, pois se em tal pensasse, morreria de medo.
Prosseguiram na sua viagem, e viram logo dois espíritos demasiadamente feios,
que vinham ao seu encontro. Cristiana
e Piedade cobriram-se com os seus
véus; os moços passaram adiante, e afinal encontraram-se com eles. Ao chegarem
perto das mulheres queriam abraçá-las, mas Cristiana
disse-lhes: “Retirai-vos, desaparecei da nossa vista”; porém eles fingindo-se
surdos, não se importavam com as palavras de Cristiana e as seguraram, por cujo motivo Cristiana ficou muito irada e deu-lhes com os pés. Piedade, do mesmo modo, procurou escapar-se
deles. Cristiana disse-lhes outra
vez: “Retirai-vos, somos peregrinos e não temos dinheiro; ao contrário vivemos
de esmolas.” Então respondeu-lhes um deles: “Nós não queremos dinheiro, porém
vos pedimos uma coisa, a qual sendo concedida, ficarei rica e felizes.”
Mas Cristiana
respondeu-lhes: “Não queremos ouvir-vos, nem conceder o que pedis, estamos com
pressa e não podemos demorar-nos; os nossos negócios são de vida e de morte.
Então ela e os seus companheiros procuraram escapar e seguir, porém eles lhes
impediram o passo e disseram: “Não queremos fazer-vos mal, o que queremos é
outra coisa.
Cristiana. – Ai, ai, quereis perder-nos o corpo e a alma. Sei que é para
esse fim que viestes ao nosso encontro; mas antes morreremos do que nos
deixaremos cair em tais pecados, porque eles nos perderam para sempre. Depois
gritaram, clamaram e invocaram o apoio das leis que protegem as mulheres,
(Deuteronômio 22:25-27). Ainda assim os homens não as deixaram seguir, elas
tornaram a bradar e estando perto da porta donde haviam saído, os da casa,
ouvindo as vozes, e distinguindo a de Cristiana,
vieram socorrê-las. Acharam as mulheres em grande aperto, e os meninos
chorando. Então disse aquele que veio valer-lhes aos salteadores: “O que estais
fazendo? Quereis tentar o povo do Senhor para pecar?” Procurou prendê-los,
porém eles fugiram saltando o muro para o jardim daquele a quem pertencia o
cão, e assim protegeu-os. Então elas disseram: “Agradecemos ao teu príncipe,
porque estávamos muito amedrontadas; agradecemos a ti também, que vieste
valer-nos, senão teríamos ficado perdidas.
Socorro. – Admiro-me de não terdes pedido ao Senhor um condutor, quando
ainda estáveis na porta, visto que sois mulheres fracas. Ele havia de
conceder-vo-lo, e assim poderíeis evitar estes perigos e incômodos.
Cristiana. – Ai de nós, ficamos contentes com as bênçãos atuais e
esquecemo-nos dos perigos futuros. Demais, quem poderia supor que três homens
se esconderiam perto do palácio do Rei? É verdade que devíamos ter pedido um
condutor ao Senhor, porém admiro-me de que ele não nos mandasse um, visto saber
que era para o nosso bem.
Socorro. – Às vezes é melhor não dar as coisas que se não pedem,
porque de outro modo se tornam desprezíveis. Mas quando se sente grande
necessidade de alguma coisa, torna-se logo muito apreciada e de muito proveito.
Se o meu Senhor vos tivesse
dado um condutor, não terias deplorado a vossa falta em não pedi-lo, como
agora. Assim tornar-se-á proveitosa para vós a viagem e ficareis mais
apercebida.
Cristiana. – Devemos então voltar ao Senhor, para confessar o nosso pecado
e pedir-lhe um condutor?
Socorro. – Hei de apresentar-lhe a vossa confissão. Não precisais voltar,
porque em todos os lugares onde estiverdes não sentireis falta de coisa alguma,
em todas as pousadas que o meu senhor tem preparado para os seus peregrinos; há
tudo o que é necessário para suprir as suas faltas e evitar todos os perigos.
Porém ele diz: “Ainda nisto me acharam favorável para que eu lhes faça esta
mercê.” (Ezequiel 36:37). É este um pedido de pouco valor. Dizendo isto tornou
para o seu lugar.
Piedade. – Ora, que tristeza, supunha que estávamos livres de perigos, e
que nunca havíamos de ter mais desgostos.
Cristiana. – És ainda muito moça para entender isso, minha amiga, mas a
culpa é minha, porque eu já sabia deste perigo antes de sair, e não
providenciei para evitá-lo quando tive oportunidade. Sim, sou eu a culpada.
Piedade. – Como podias saber disso antes de partir? Relata-me
Cristiana. – Eu te satisfarei. Antes de sair de
casa, sonhei uma noite, e no meu sonho vi dois homens justamente como estes, a
minha cabeceira, concertando a minha perdição; contar-te-ei as suas palavras.
Disseram: “Que havemos de fazer com esta mulher, porque ela pede perdão, que
dormindo que acordada? Se continuar assim, havemos de perdê-la, como temos
perdido ao seu marido.” Eu devia estar avisada e ter providenciado.
Piedade. – Por essa rua negligência temos
ocasião de reconhecer as nossas culpas, e também o nosso Senhor aproveitou a
oportunidade para mostrar as riquezas da Sua graça, pois tem-se-nos revelado
com uma bondade desmerecida. Livrou-nos das mãos daqueles que são mais fortes
do que nós.
Tratando deste assunto aproximaram-se de uma casa que estava ao lado do
seu caminho, que havia sido edificado para dar hospedagem aos peregrinos.
Chegando a essa casa que denominavam do Intérprete,
e estando à porta, ouviram muitas vozes, entre as quais distinguiram o nome de Cristiana, porque tinha se espalhado o
boato de que ela e os seus filhos haviam seguido viagem. Tornaram-se alegres, porquanto sabiam que ela
era a mulher de Cristão, aquela que
há pouco tempo não queria ouvir falar em semelhante viagem.
Cristiana e os mais que a seguiam
ficaram fora ouvindo-os falar dela, sem saberem que ela aí estivesse. Afinal, Cristiana bateu, como fizera à porta
estreita, e veio logo abri-la uma moça que, olhando, viu duas mulheres. Ela lhe
disse: “Com quem desejais falar?” Cristiana
respondeu: “Ouvimos dizer que esta casa dá hospedagem aos peregrinos, e nós
somos viajantes e pedimos que sejamos participantes da vossa hospitalidade,
porque o dia já está a findar e não queremos ir mais longe.” E a moça lhe
disse: Tenha a bondade de dar-me o seu nome, a fim de cientificar ao meu
Senhor.
Cristiana. – “O meu nome é Cristiana, sou a mulher daquele
peregrino que há anos passou por aqui, e estes são os meus filhos. Esta moça é
minha companheira que encetou viagem comigo.”
Imprensa Evangelica, nº 45,
07 de Novembro de 1878, p. 355-356
Comentários
Postar um comentário