Depois levou-os ao seu campo, onde tinha semeado trigo e milho,
mas todas as espigas estavam arruinadas, nada existindo senão palha. Ele lhes
disse: “Esta terra estava estercada, arada e semeada, mas que colheita faremos?
Cristiana. – Era melhor queimar uma parte e fazer esterco da outra.
Intérprete. – Pois vedes que, procurando fruto e não achando, se condena
tudo ao fogo e a ser pisado dos homens; tomai, pois, sentido, que vos não
condeneis vós mesmos, por esta palavra que acabais de proferir.
Voltaram então à casa,
e quando caminhavam, viram um pinta-roxo com uma grande aranha no bico.
O Intérprete nesta ocasião chamou-lhes a atenção para ele.
Olharam; Piedade admirou-se, mas Cristiana disse: “É pena que um pássaro
tão bonito e tão amigo do homem, coma coisas tão ruins. Supus que comia
migalhas de pão. Já não gosto dele como dantes.
Intérprete. – O pinta-roxo é a figura de alguns homens que professam ser
cristãos, que à vista são agradáveis e parecem ter sincera amizade para com os
mais cristãos que desejam viver com eles e estão em sua companhia, parecendo
mesmo ter vontade de comer as migalhas que caem, e por este motivo frequentam
as casas dos cristãos e o culto do Senhor, porém depois, como o pinta-roxo que
come aranhas, eles também mudam de costumes, alimentam-se de iniqüidades,
engolindo o pecado como água.
Entrando em casa e a
ceia ainda não estando pronta, Cristiana
pediu ao Intérprete que lhes
mostrasse mais alguma coisa proveitosa. Ele, pois, principiou:
“Por mais gorda que seja
a porca, mais deseja o lamaçal; por mais gordo que seja o boi, mais alegre
chega ao matadouro; por mais forte que seja o homem mundano, mais procura o
mal. Todas as mulheres gostam de vestir-se com elegância e aceio, porém é mais
desejável vestir-se de um espírito manso e humilde, que à vista de Deus é de
grande preço. É mais fácil perder o sono por uma noite do que por um ano;
também é mais fácil principiar uma boa carreira do que segui-la até o fim. Todo
o capitão de navio durante uma tempestade atirará ao mar as coisas de pouco
valor, porém quem lança primeiro as coisas preciosas? Ninguém, senão aquele que
não teme a Deus.
“Um rombo pode perder um
navio, e o pecado perderá o pecador. Aquele que se esquece do seu amigo é
ingrato, porém o que se esquece do seu Salvador, não tem piedade de si. Aquele
que vive em pecado e espera a felicidade no futuro, é semelhante ao que semeia
cizânia e pensa que encherá o seu celeiro de trigo ou cevada.
“Se um homem quiser
viver bem, que procure lembrar-se sempre do seu último dia, do dia final. Se o
mundo, que para Deus é uma coisa desprezível, é tão estimado pelos homens, qual
não será o valor do céu, que é a morada de Deus? Se esta vida, que é tão
triste, nos é tão cara, quão preciosa nos será a vida de além?
“Todos estão prontos a louvar os homens, mas quem presta o devido louvor
a Deus, pela Sua bondade?
“Raras são as vezes que não deixamos alguma coisa na mesa, depois de
comer. Do mesmo modo há em Jesus Cristo justiça e merecimento que sobeja depois
de salvar o mundo.”
Levou-os depois outra vez ao jardim e mostrou-lhes uma árvore oca, que
nesse estado crescia e tinha folhas.
Piedade. – O que significa isso?
“Esta
árvore, disse ele, representa muitos que estão no jardim de Deus, que por fora
apresentam bonita aparência, mas interiormente são ocos; que falam muito em
Deus, porém nada fazem por ele, e cujos corações não prestam senão para
servirem de mechas para o fogo do demônio.”
Como a
ceia estivesse pronta, sentaram-se todos à mesa e deram graças. Era costume da
casa divertir os hóspedes enquanto ceiavam, com os harmoniosos sons de uma boa
música, que começou logo a ser ouvida, precedida de um magnífico e melodioso
canto.
Depois, o Intérprete perguntou
à Cristiana o que a determinou a
encetar a viagem, ao que ela respondeu:
“Primeiramente a perda de meu marido, tornou-me bastante pesarosa, mas
isto era simplesmente um sentimento natural. Depois pensei nos incômodos e na
viagem que ele encetou, lembrei-me do meu péssimo procedimento para com ele,
porém a minha consciência acusava-me da minha culpa e convencia-me de que eu
caminhava para a perdição, e isto me entristecia; porém o rei daquele país
mandou chamar-me para lá. Este chamado e a carta que me enviou, operaram uma
tal mudança em mim, que julguei como um dever obedecer-lhe.”
“Porém, disse ele, não encontraste impedimento antes de sair?”
Cristiana. – Sim, uma vizinha, uma tal Sra. Temerosa, parenta daquele indivíduo
que encontrou meu marido e queria que ele voltasse com temor dos leões, me
chamava de louca por causa do meu desesperado propósito, e disse tudo o que lhe
veio à mente, para desanimar-me; ele recordou-me todos os incômodos e tristezas
porque meu marido tinha passado; porém isso não me desviou. Tive também um
sonho de dois espíritos feios que maquinavam a minha ruína, e isso me afligiu
bastante. Sim, e até agora me aflige e me faz temer a todos que encontro, com
receio de que pretendam desencaminhar-me, ou arruinar-me. Tenho também razão
para temer, porque em viagem para cá fomos assaltados, e tivemos de gritar com
toda a força, e aqueles que nos acometeram pareciam os mesmos que vi no meu
sonho.
Imprensa Evangelica, nº 48,
28 de Novembro de 1878, p. 381
Comentários
Postar um comentário