Intérprete. – Principiaste bem, alcançarás o que procuras. Depois perguntou
a Piedade:
“E tu, minha amiga, o
que te levou a procurar a salvação?” Ela corou, tremeu e conservou-se
silenciosa. Ele lhe disse então: “Não temas, crê e diz o que se passa no teu
coração.”
Piedade. – Meu Senhor, tenho pouca experiência, e por isso prefiro antes
emudecer, visto que tenho medo de perder-me. Não posso relatar visões e sonhos
como a minha amiga Cristiana, nem
culpar-me de negligenciar os conselhos daqueles que me eram caros.
Intérprete. – Então, qual o motivo que te deliberou também a viajar?
Piedade. – Quando Cristiana
estava preparando-se para sair, por acaso eu e outra minha vizinha fomos
visitá-la. Vendo o que ela estava fazendo, lhe perguntamos o que queria dizer
tudo aquilo. Ela nos disse que havia sido chamada para seguir seu marido, e que
o tinha visto em um sonho; que habitava em um lugar lindíssimo, em companhia
dos espíritos celestes, trazendo uma coroa e tendo uma harpa nas suas mãos, que
comia e bebia à mesa do seu Rei, e cantava os louvores daquele que o levou para
lá.
Enquanto ela relatava
estas coisas, fiquei comovida e disse comigo: “Se isto é verdade, deixarei meus
pais e minha pátria, e acompanharei Cristiana.”
Depois indaguei dela tudo o que desejava saber sobre as coisas que me havia
contado, ansiosa por acompanhá-la, porque vi que era perigoso ficar em nossa
cidade. Contudo saí com muito pesar, porque, ainda que estivesse com vontade de
retirar-me, sentia deixar atrás todos os meus parentes. Porém é meu intento
acompanhar Cristiana para a terra dos
cristãos e do seu rei.
Intérprete. – Tu também principiaste bem, porque deste ouvidos à verdade. Tu
és como Rute, que pelo amor que teve para Noemi e o Senhor seu Deus, saiu da
sua terra e deixou seus pais, para habitar com um povo que não conhecia (Rute
2:11-12). O Senhor te dê o galardão do bem que fizeste e recebas uma plena
recompensa do Senhor Deus de Israel, para quem vieste e sob cujas asas te
recolheste.
Depois da ceia
recolhemo-nos aos quartos para dormir, as mulheres em um e os moços em outro.
Porém Piedade não pode conciliar o
sono, por estar demasiadamente satisfeita, já não tinha razão para duvidar que
seria bem acolhida e, por isso louvou e bendisse a Deus, que lhe tinha mostrado
a Sua graça.
Na manhã seguinte
levantaram-se com o sol e aprontaram-se para sair, mas o Intérprete queria que se demorassem mais. “Porque, disse ele,
deveis sair daqui bem preparados.” Depois disse à moça que lhes abrisse a
porta. “Conduze-os ao banho e limpa-lhes toda a poeira do caminho.” Então a
moça Inocência conduziu-os ao jardim
e os trouxe ao banho, dizendo-lhes que se lavassem, porque o Senhor queria que
todas as mulheres que viajassem assim o fizessem. Portanto, entrando todos no
banho, saíram não somente limpos, mas refrescados e fortalecidos, e pareciam
muito mais bonitos e fortes.
Logo que voltaram do
banho, o Intérprete encarou-os e
disse-lhes: “Formosos como a lua”, depois mandou trazer o selo com que
costumava selar aqueles que ali se banhavam. Trouxeram-lhe o selo e os selou,
afim de que todos os conhecessem por onde quer que fossem. O selo era a
significação da Páscoa, que os filhos de Israel comeram quando saíram do Egito,
e foi posto nas suas frentes. Este tornou-os mais lindos, porque deu muita
graça aos seus rostos, que ficaram semelhantes aos dos anjos.
O Intérprete chamou outra vez Inocência
e disse-lhe que fosse ao guarda-roupa e trouxesse vestuário para todos, e ela trouxe
roupa branca e ele ordenou-lhes que a vestissem. Esta roupa era de linho branco
e finíssimo, e as mulheres olharam-se admiradas, pois cada uma notou a beleza
da outra e não a sua, portanto, cada uma achava a outra melhor e diziam: Tu és
a mais formosa do que eu. Os moços ficaram admirados de ver esta transformação.
Então o Intérprete chamou a um dos seus servos
de nome Valente e mandou que
empunhasse a espada, o escudo e o capacete, para conduzir as mulheres e os
moços até a casa chamada Formosa,
onde deviam pernoitar. Este, portanto, tomou as suas armas e foi adiante deles;
o Intérprete despediu-se deles, bem
como os da casa, com muito agrado.
Vi no meu sonho que
seguiram e o Sr. Valente os precedeu;
afinal chegaram ao lugar onde o fardo de Cristão
caíra das costas e rolara no sepulcro. Pararam ali e louvaram a Deus.
“Agora, disse Cristiana, vem-me à lembrança as
palavras que ouvimos à porta, a saber: que receberemos o perdão por palavra e
por obra. Por palavra, isto é, por promessa; por obra, pelo modo de obter o
perdão para nós. Já sei o que é a promessa, mas quero saber da tua boca, Sr. Valente, alguma coisa do modo de
obtê-la.
Valente. – Perdão por obra, quer dizer que o perdão foi obtido por alguém
a favor de outro que precisava dele, isto é, não pela pessoa que o recebe. Para
falar mais claramente, o perdão que vós todos recebestes, foi ganho para vós,
por outrem, a saber: por aquele que vos recebeu à porta. Ele obteve este perdão
da seguinte maneira: obedeceu em vosso lugar e verteu o seu sangue para vos
purificar.
Cristiana. – Mas se ele dá-nos a sua própria justiça, o que terá para si?
Valente. – Ele tem muito mais do que vós precisais ou que ele precisa.
Cristiana. – Explicai-nos isto.
Imprensa Evangelica, nº 50,
12 de Dezembro de 1878, p. 397-398
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