Deste modo
conversavam um pouco, e depois adormeceram.
No dia seguinte,
quando acordaram, Cristiana disse à Piedade: “Porque riste enquanto dormias?
Tiveste, com certeza, algum sonho.”
Piedade. – Sim, e era um sonho muito agradável, mas estás certa de que
ri-me?
Cristiana. – Riste-te; mas conta-me o sonho que tiveste.
Piedade. – Sonhei que estava em um lugar solitário, deplorando a dureza
do meu coração e muitas pessoas me rodearam logo para ver-me e para ouvir o que
eu dizia. Ouviram-me enquanto deplorava a minha dureza de coração. Alguns
riram-se, outros me chamaram de louca, e principiaram a maltratar-me.
Imediatamente vi uma pessoa com asas aproximar-se e dizer-me: “O que tens, Piedade?” Depois de indagar do que eu
sentia, continuou: “Paz seja contigo”; enxugou as lágrimas e vestiu-me de
roupas lindíssimas (Ezequiel 16:8-11). Também colocou-me uma corrente de ouro
no pescoço e ornou-me com os mais preciosos enfeites. Depois tomou-me pela mão
dizendo: “Segue-me.” Segui-o até chegarmos a uma porta de ouro, na qual bateu,
e quando abriram entrou, levando-me consigo até um trono onde assentava-se um
como o Filho do homem, e este me disse:
“Bem-vinda, minha filha.” O lugar estava brilhante como o sol, e pensei que lá
visse teu marido. Quando estava embevecida na contemplação do que via,
despertei do sonho. Estive rindo?
Cristiana. – Sim, e tiveste razão. Era um bonito sonho, e creia
que, como há nele alguma coisa de verdade na primeira parte, a última também
será cumprida. “Deus fala uma vez, e segunda vez não repete a mesma coisa. Por
visão noturna, quando cai supor sobre os homens, e estão dormindo no seu leito.
(Jó 33:14-15). Não é preciso que fiquemos acordados para ter comunhão com Deus.
ele pode falar-nos mesmo em sonhos, e fazer que ouçamos a sua voz. Nossos
corações muitas vezes acordam, enquanto nós dormimos e Deus fala-lhes ou por
provérbios, ou por sinais ou similitudes.
Piedade. – Estou cheia de satisfação pelo meu sonho, porque espero que
seja cumprido de modo que tornarei a rir-me.
Cristiana. – São horas de levantarmo-nos e procurar saber o que devemos
fazer.
Piedade. – Se os da casa nos convidar para ficarmos aqui um pouco,
aceitemos. Quero ficar para conhecer melhor estas moças e Prudência. Elas têm
fisionomias agradáveis e bonitas.
Cristiana. – Vamos ver. Depois de se vestirem, desceram r perguntaram-lhes
como tinham passado a noite.
Piedade. – Muito bem, nunca na minha vida dormi melhor.
As moças Prudência, Devoção e Caridade, as
convidaram a demorar-se por algum tempo, dizendo-lhes que se utilizassem das
melhores coisas da casa. “É de muito boa vontade”, acrescentou Caridade.
Aceitaram o convite e aí
ficaram por mais de um mês, que lhes foi muito proveitoso. Prudência queria ver de que modo Cristiana criava seus filhos, e pediu licença para fazer-lhes
algumas perguntas. Principiou, portanto, pelo mais moço, cujo nome era Tiago.
Prudência. – Venha, Tiago. Podes
dizer-me quem te criou?
Tiago. – Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo.
Prudência. – Muito bem. E quem te salva?
Tiago. – Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo.
Prudência. – Respondeste bem. Como é que Deus Pai te salva?
Tiago. – Por sua graça.
Prudência. – Como é que Deus Filho te salva?
Tiago. – Por sua justiça, morte, sangue e por sua vida.
Prudência. – Como é que Deus Espírito Santo te salva?
Tiago. – Por seu esclarecimento, sua renovação e sua preservação.
Depois Prudência disse à Cristiana:
“Tu tens ensinado bem
aos teus filhos. Suponho que não preciso fazer as mesmas perguntas aos outros,
visto que o mais moço respondeu tão bem. Não obstante, ela chamou outro e
perguntou-lhe:
– Queres que te examine, José?
José. – Sim, senhora; com todo o meu coração.
Prudência. – O que é o homem?
José. – É uma criatura racional, feita por Deus, como já disse meu
irmão.
Prudência. – Que se entende pela palavra “Salvo?”
José. – Que o homem pelo seu pecado tem se conservado em estado de
escravidão e miséria.
Prudência. – Que se entende por ele ser salvo pela Trindade?
José. – Que o pecado é um tirano tão forte que ninguém pode nos livrar
do Seu poder senão Deus; e que Deus é tão bom e tão amante dos homens que os
livra deste estado miserável.
Prudência. – Qual é o fim de Deus em salvar os homens perdidos?
José. – É para engrandecer o Seu próprio nome, manifestar a sua graça e
justiça, e assegurar a felicidade eterna da sua criatura.
Prudência. – Quais são os que hão de ser salvos?
José. – Aqueles que aceitam a sua salvação.
Prudência. – Muito bem, José, tua mãe tem te ensinado bem; também tu tens
dado ouvidos ao seu ensino.
Depois dirigiu-se ao
segundo filho:
Prudência. – Venha cá, Samuel, queres que te faça algumas perguntas?
Samuel. – Sim, é favor.
Prudência. – O que é o céu?
Samuel. – É um lugar santíssimo, porque ali vive Deus.
Prudência. – O que é o inferno?
Samuel. – É um lugar tristíssimo, por ser a morada do pecado, do diabo e
da morte.
Prudência. – Por que queres ir para o céu?
Samuel. – Para que possa ver a Deus e servi-lo para sempre; ver a
Cristo, amá-lo eternamente, e ter a plenitude do Espírito Santo, o qual não
posso de maneira alguma gozar aqui na terra.
Prudência. – És um bom menino, e tens respondido bem. Chamou depois ao mais
velho, cujo nome era Mateus, que de boa vontade acudiu ao reclamo.
– Jamais existiu alguma coisa antes que houvesse Deus?
Mateus. – Não, porque Deus é eterno; nada existiu senão ele até o
princípio da criação; porque em seis dias criou o Senhor o céu e a terra e o
mar e tudo o que neles há.
Prudência. – O que julgas das Santas Escrituras?
Mateus. – Que são a Santa Palavra de Deus.
Prudência. – Compreendes tudo o que elas dizem?
Mateus. – Não; há muita coisa que não compreendo.
Prudência. – O que fazes quando encontras as passagens que não compreendes?
Matheus. – Sei que Deus é mais sábio do que eu, e peço-lhe que, se for do
seu agrado, me revele as cousas que são para o meu proveito.
Prudência. — O que crês a respeito da ressurreição dos
mortos?
Matheus. — Que os mortos ressuscitarão com a mesma natureza,
mas incorruptíveis. Creio isso por duas razões: 1 “porque Deus o
Prometeu”; 2 “porque Ele é poderoso para o fazer”.
Prudência. — Pois atendei ao ensino de vossa mãe, porque ela
pode vos ensinar muitas cousas. Deveis também prestar atenção ao que os outros
dizem de bom, por ser para vós que assim se expressam. Observai também com
cuidado o que os céus e a terra vos ensinam; mas, sobretudo, meditai muito no
livro que fez com que vosso pai se tornasse peregrino. Enquanto estais aqui vos
ensinarei tudo o que for possível, e estimarei que me faças perguntas que tenham
por fim a nossa edificação.
Passada uma semana, Piedade teve uma visita,
conhecida por Senhor Brioso, homem ilustrado, que mostrava-se sempre piedoso, mas
que gostava muito do mundo. Este veio várias vezes visitá-la e afinal ofereceu-se-lhe
em casamento. Ora, Piedade era bonita, e, por conseguinte, muito atrativa, e ocupava-se
sempre em alguma cousa, e quando nada tinha em que se empregar, ocupava-se em fazer
meias e roupas para os pobres e necessitados
Imprensa Evangelica, nº 04,
23 de Janeiro de 1879, p. 28-29
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