O Sr. Brioso, não
sabendo o que fazia com estas coisas admirou-se porque nunca a achava ociosa.
Garanto, disse ele
consigo mesmo que ele seria uma dona de casa.
Piedade contou estas coisas às moças da casa e indagou a respeito
dele, porque elas o conheceriam melhor. Elas lhes responderam que era um moço
industrioso, que mostrava ser piedoso, porém julgavam que se enganava,
desconhecendo o poder divino.
Piedade. – Pois não me lembrarei mais dele; não quero estorvo no caminho.
Prudência respondeu que não
precisava muito para desanimá-lo, porque se continuasse trabalhar para os
pobres ele logo desanimaria.
Quando ele tornou a
aparecer, acordou-a costurando e disse-lhe: “Estás sempre trabalhando.” “Sim,
respondeu ela, porém, ou para outrem.”
“Quando ganhas por
dia?” perguntou ele.
“Faze isto para que
possa abundar em toda obra, e entesourem tesouros para o futuro para deixar
para a vida eterna.” (I Timóteo 6:17, 19).
“Pois, o que fazes com
estas coisas?” disse ele.
“Viste- os nus”,
respondeu ela.
Com isto entristeceu-se,
e não tornou a visitá-la. Quando perguntaram a razão disso, replicou que Piedade era uma bonita rapariga, porém
um pouco aborrecida.
Prudência. – Não te disse que ele desanimará logo? Ainda mais, há de falar
mal de ti. Apesar de ser religioso, e de fingir-se enamorado de Piedade, contudo eles são de gênio tão
diferentes que nunca dar-se-ão.
Piedade. – Já eu podia estar casada, ainda que não falei nisso com
alguém, mas era com aqueles que não se davam com o meu proceder, ainda que
gostassem de mim. Portanto não podíamos chegar a acordo.
Prudência. – Em nossos dias gostam muito do nome de Piedade, porém poucos
os querem praticá-la.
Piedade. – Pois bem. Se ninguém quer casar comigo, hei de morrer solteira
e Deus será para mim marido, porque não posso mudar de natureza e não quero
casar-me com quem me estorve. Tinha uma irmã chamada Generosa, que casou-se com um destes sujeitos, mas eles nunca
concordavam e como ela estava resolvida a continuar a proceder assim, isto é, a
fazer bem aos necessitados, ele a injuriava publicamente e, afinal, expulsou-a
de casa.
Prudência. – Porventura não era professo?
Piedade. – Era, e destes tais o mundo está cheio; porém, não quero
casar-me com nenhum deles.
Neste tempo, Mateus, o filho mais velho de Cristiana, caiu doente, e ficou muito
mal. Portanto, mandaram chamar o Sr.
Perito, um médico muito conhecido e estimado naqueles sítios, o qual depois
de indagar dos sintomas, disse que sofria de cólica, e perguntou o que tinha
ocorrido ultimamente.
Cristiana. – Nada, sinto coisas saudáveis.
Perito. – Com certeza o moço comeu alguma coisa que ficou no estômago
indigerida. Precisa medicar-se, de outro modo morrerá.
Samuel. – Mamãe, o que foi que meu irmão comeu logo depois de entrar pela porta estreita? Não te lembras
do fruto das árvores do outro lado do muro, nas quais meu irmão apanhou e
comeu?
Cristiana. – É
verdade, ele comeu deste fruto, não obstante repreendê-lo.
Perito. – Estava
certo que tinha comido alguma coisa que lhe fizera mal: este fruto é o pior que
pode haver. É do pomar de Belzebu. Admiro-me que ninguém vos advertisse. Muitos
têm morrido por causa dele.
Então Cristiana pôs-se a chorar e disse: ó
mal-aventurado menino, ó infeliz mãe, que hei de fazer por meu filho!
Perito. – Não
fique desanimada, o moço pode ser curado; é preciso, porém, que lance do
estômago esse fruto.
Cristiana. –
Rogo-lhe que faça tudo o que for possível em seu benefício; custe o que custar.
Perito.– Não sou
exigente.
Então proporcionou-lhe um remédio, porém
este era fraco demais; diz-se que foi feito do sangue de um bode, e cinzas de
uma bezerra e o suco de hissopo (Hebreus 9: 13, 19 e 10:1-4). Quando o Sr. Perito viu que este não prestava
preparou outro, que era o corpo e o sangue de Jesus Cristo (S. João, 6:54 - 57
; Hebreus 9:14) que arranjou com devida medida, misturado com as promessas e temperado com sal
(S. Marcos 9: 49). “O moço deve tomá-lo em jejum, com lágrimas de
arrependimento.” Quando trouxeram o remédio, o moço não o quis tomar, ainda que
atormentado de dores. O médico disse-lhe que era preciso tomá-lo. “Me enjoa”,
respondeu o moço. A mim também instou com ele para que tomasse, “mas hei de
vomitá-lo”, disse ele.
Cristiana então perguntou ao médico que gosto tinha.
“Não é desagradável”,
respondeu ele.
E ela provou-o e disse ao filho: “Ó Mateus, é mais doce que o mel.” Se amas-me, se amas aos teus
irmãos, se amas a Piedade, se amas a tua própria alma, rogo-te que o tomais.”
Passado algum tempo e
depois de pedir a bênção de Deus, ele tomou-o e fez-lhe muito bem.
Purgou-o e fez com que dormisse bem e
sossegadamente, e enfim curou-o do seu incômodo, de modo que levantou-se logo e
pôs-se a passear de um para outro quarto, conversando com Prudência e Piedade a
respeito da sua doença, e como ficara são. Depois Cristiana falou ao Sr. Perito,
e disse-lhe: “Meu senhor, quanto quer cobrar pelo tratamento de meu filho?”
Perito.— Deves
pagar ao chefe do colégio de medicina, conforme os regulamentos estabelecidos
nestes casos (Hebreus 13:11-15).
Cristiana.— Meu
senhor, este remédio serve para mais alguma coisa?
Perito.— É uma
panacéia para todas as doenças que afligem os peregrinos, e sendo bem
preparado, conserva-se sempre.
Cristiana.— Tenha
a bondade dc fornecer-me uma porção, porque possuindo-o, nunca farei uso dc
outro remédio.
Perito.— É bom
como prevenção, bem como para curar as doenças. Sim, garanto que, se qualquer
homem fizer o devido uso deste remédio, viverá para sempre (S. João 6: 58).
Porém, minha boa Cristiana, deves
usar deste remédio do modo que receitei, aliás não produzirá efeito.
Deu, portanto, a Cristiana, remédio para ela, seus filhos e Piedade, dizendo a Mateus
que não comesse frutos proibidos, depois beijou-o e foi-se.
Prudência
tinha dito aos moços que quando quisessem, poderiam fazer quaisquer perguntas
proveitosas, prometendo responder-lhes. Mateus,
portanto, perguntou-lhe a razão porque os remédios quase sempre são tão
desagradáveis ao nosso paladar?
Prudência.— Para
mostrar como o coração do pecador aborrece a Palavra de Deus e às exigências da
Sua lei.
Mateus.—
Porque, sendo bom o remédio, produz efeito purgativo e enjoa?
Prudência. — Para
mostrar que a Palavra de Deus quando
obra
efetivamente, purifica o coração e o espírito;
o efeito que um produz no corpo, o outro produz na alma.
Imprensa Evangelica.
nº 06, 06 de Fevereiro de 1879, p. 45-46
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