A viagem da Christiana com os seus filhos – John Bunyan (1628-1688)




Também supor que aqueles que praticam os vícios, podem ter as virtudes dos justos; como os pecados do povo de Deus (Oseias 4:8) como o cão que volta ao seu vômito, é prova de que se não possui as suas virtudes. Não acredito que aquele que advoga esses princípios, tenha a fé ou amor de Deus em si. Sei o que dizes d’ele, agora quero saber o que ele diz de si.

Honesto. – Diz que é muito mais honesto fazer isto de convicção, do que fazê-lo sem crer que é lícito.
Valente. – Uma resposta muito malévola, porque ainda que desenfreasse as nossas concupiscências, admitindo que isso é pecado, é ruim; contudo pecar desculpando-se é pior: o primeiro faz os homens tropeçarem por acaso, o segundo leva–os para o laço.

Honesto. — Muitos têm essas opiniões, que não tem a boca d’este homem, é isso que torna a vida cristã tão desprezível.

Valente. — Isto é muito justo, e para se lamentar, porém aquele que teme o rei dos céus, sairá livre de todas estas tentações.

Christiana. - Há muitas ideias falsas neste mundo. Conheço uma pessoa que disse que à hora da morte era bastante cedo para se arrepender.

Valente. Estes tais não são muito sábios. Se aquele homem tivesse de correr quatro léguas n’uma semana, de certo não deixaria a sua jornada até a última hora desta semana.

Honesto. —É verdade, mas muitos que dizem ser cristãos assim fazem. Já sou velho, como vedes, e tenho viajado n’este caminho por muito tempo, e tenho notado muitas cousas. Vi alguns saindo com muita pressa como se quisessem levar o mundo inteiro consigo, e contudo logo morreram como os Israelitas no deserto, e nunca chegaram a ver a terra prometida. Vi outros que ao saírem, pareceram tão fracos que julgar-se –ia não continuarem no caminho por um só dia, e contudo saíram-se muito bem. Vi outros, que no princípio correram para diante muito ligeiramente, e logo voltaram para trás com igual rapidez. Vi muitos que falaram muito bem d’esta viagem no princípio, mas no fim falaram mal d’ela. Ouvi muitos dizerem que há céu, e quase alcançando-o, eles voltaram dizendo que não há. Ouvi muitos gabarem-se do que haviam de fazer no caso de sofrer perseguição, os quais ao primeiro susto, abandonaram a fé, a vida cristã, e tudo.

    Enquanto assim conversavam, veio um homem correndo ao seu encontro, dizendo, meus Senhores, e vós mulheres e meninos, se quiserdes salvar a vida, fugi, porque aí há ladrões.

Valente. — De certo são os três que roubaram Pouca-fé há pouco. Pois bem, estamos prontos a encontrá-los; e todos caminharam adiante. Olharam cm todos os sentidos esperando ver os ladrões, mas ou tinham ouvido falar de Valente ou procuraram outra caça, e por isso não atacaram os peregrinos.

    Christiana logo desejava um lugar onde ela e os seus companheiros pudessem descansar, porque estavam muito cansados.

Honesto. — Há uma pousaria um pouco mais adiante onde mora um discípulo muito honrado, que se chama Caio. (Romanos 16:23.) Todos queriam entrar lá, principalmente por causa de ouvirem uma fama tão boa do estalajadeiro. Chegando à porta, entraram e chamaram o dono da casa, e logo ele apareceu; então perguntaram-lhe se podiam pousar lá?

Gaio. — Pois não, sendo homens de bem, porque minha casa é somente para os peregrinos. Então Christiana e Piedade e os moços ficaram contentes por saberem que este era amante dos peregrinos.

      Então ele  introduziu-os nos seus quartos; em um Christiana e Piedade e em outro os homens.

Valente. — Então, Gaio, o que tendes para a ceia? Estes tem andado muito hoje e estão cansados.

Gaio. — Já está tarde e não podemos sair para procurar nada, porém o que temos está às vossas ordens.

Vidente. — Isto chega muito, já tenho passado por aqui, e sei que nunca falta o necessário. Então Gaio saiu e falou com a cozinheira que se chamava “Provai o bem” que aprontasse uma ceia para os peregrinos. Depois lhes disse: “Estou muito contente de ver-vos meus amigos. Alegro-me de ter uma casa para vos acolher, e enquanto está se aprontando a ceia, vamos conversar sobre alguma cousa boa; e todos responderam, vamos.

Gaio. — Mulher, de quem é esta matrona? E filha de quem é, esta moça?

Valente. —Aquela é mulher de Christão, antigo peregrino, e estes são os seus quatro filhos. A moça é uma das suas conhecidas, a quem ela persuadiu a fazer viagem com ela. Os meninos todos querem trilhar os passos de seu pai. Em apenas vendo um lugar onde ele deitou-se, ou uma pisada dos seus pés, ficam muito contentes e desejam deitar-se nos mesmos passos.

Gaio. — Com efeito. Esta é a mulher de Christão? Conhecia o pai de seu marido, também seu avô. É uma família muito boa, antigamente moravam em Antioquia. (Atos 11:26). Os antepassados de Christão eram homens muito bons. De certo tendes ouvido falar d’eles. Eles têm-se mostrado homens de muita virtude, e muito corajosos no serviço do Senhor, dos peregrinos e  d’aqueles que o amam. Tenho ouvido falar em muitos dos parentes do teu marido que suportaram todas as provas pela causa da verdade. O Estevão, que era um dos primeiros desta família foi apedrejado (Atos 7:39-40). Tiago, que era da mesma família, foi morto à espada.

Imprensa Evangelica. nº 25, 
19 de Junho de 1879, p. 198 

Comentários