A viagem da Christiana com os seus filhos – John Bunyan (1628-1688)




Para não falar em Paulo ou Pedro, havia Ignácio, que foi lançado aos leões, e o Polycarpo, que mostrou-se homem, mesmo no meio da fogueira.

    Também aquele que foi pendurado em um cesto no sol quente para o pasto das vespas, e o que foi posto num saco e lançado ao mar.

     Falta-me o tempo para contar quantos daquela família sofreram injúrias e até a morte por causa de Cristo e deste caminho.

     Estou contente de ver que teu marido deixou estes quatro meninos para andarem no mesmo caminho. Espero que eles honrem o nome dele, sigam seus passos c cheguem ao mesmo fim.

Valente. — Pois, são meninos bons, e parecem escolher o mesmo caminho de seu pai.

Gaio. — Muito bem. Assim esta família há de tornar-se numerosa na terra. Seria bom que Christiana escolhesse mulheres para seus filhos, de modo que o nome do seu pai e dos seus antepassados não fique esquecido no mundo.

Honesto. — Seria pena que se acabasse a geração.

Gaio. — Acabar não pode, mas pode tornar-se pouco numerosa. Portanto, Christiana deve tomar o meu conselho, o assim aumentá-la. Pois ele disse a Christiana: Estou contente de ver aqui as duas, tu e tua amiga Piedade. Dá-me licença que te aconselhe que a cases, se ela quiser, com teu filho mais velho Matheus, para que conservem uma posteridade na terra.

Gaio. —Também quero falar a favor das mulheres para tirar-lhes o opróbrio.

     Como por uma mulher entrou no mundo a morto o a maldição
(Gênesis 3), por seu intermédio entrou a vida e a saúde: porque Deus enviou seu Filho feito de uma mulher (Gálatas 4:4).  Sim, e para mostrar quanto elas chegavam a lastimar o ato da primeira mãe, as mulheres do velho Testamento cobiçavam ter filhos, se, por ventura, esta ou aquela tornava-se mãe da semente prometida do Salvador do Mundo. Digo mais, quando enfim apareceu o Salvador, as mulheres alegraram-se sobremaneira (Lucas 1: 42).

    Não se acha escrito que nenhum homem jamais lhe desse um só vintém, mas se diz que as mulheres o seguiram, e ministraram- lhe dos seus bens (Lucas 8: 2, 3.). Foi uma mulher que lavou-lhe os pés com as suas lágrimas (Lucas 7:37-50). Uma mulher ungiu-lhe o corpo para a sepultura (João 11: 2; 12: 3). As mulheres acompanhavam-o chorando        para a cruz (Lucas 23:27). As mulheres acompanharam-o até à sepultura (Mateus 27:53-56), e as sentaram-se perto do sepulcro onde foi enterrado (Mateus 27:61).

     Elas, primeiro que todos, viram-o depois da sua ressurreição (Lucas 26:1) e elas trouxeram a seus discípulos a notícia que tinha-se levantado de entre os mortos (Lucas 24:22,23). Assim as mulheres têm sido honradas em alto grau, e isso nos ensina que partilham conosco a graça da vida.
   
       Neste instante a cozinheira mandou dizer que a ceia estava pronta, e uma criada arranjou a toalha e pôs os pratos, o pão, o sal.

Matheus. – dEstes preparativos abrem-me o apetite.

Gaio. – Do mesmo modo, o ouvir as verdadeiras doutrinas nesta vida, devem criar em ti desejos ardentes de assentar-te à ceia do grande Rei no seu reino, porque toda a pregação, todos os livros bons e as ordenanças aqui no mundo são simplesmente o pôr os pratos, o sal na mesa, comparado com a festa que nosso Senhor tem preparada para nós, quando chegarmos em sua casa.

     Então puseram a comida na mesa, o primeiro prato era o peito e a espádua de uma ovelha (Êxodo 29:26) para ensinar-lhes que devem principiar com oração e louvores a Deus. Com esta espádua Davi elevou o seu coração a Deus, e encostou o peito (onde fica o coração) na sua harpa, quando tocava (Levítico 7 : 32-34 ; 10:14,15; Salmo 25:1; Hebreus 13:15). Este prato estava muito gostoso, e todos comeram dele.

     Depois trouxeram-lhes uma garrafa de vinho, cor de sangue, (Deuteronômio 32:14; Juízes 11:13; João 15:5) e Gaio disse-lhes:
Bebei todos dele, este é o verdadeiro fruto da vide que alegra o coração de Deus e do homem. Portanto beberam e se alegraram. Mais tarde veio um prato de leite e com pão, e Gaio disse outra vez: Os meninos comam para que cresçam. I Pedro 2:1.
     Trouxeram também um prato de manteiga e mel, e ele disse: “Comei também disso, porque é bom para alegrar-vos e fortalecer os vossos juízos e entendimentos. Era esta comida de nosso Senhor quando era menino. Está escrito: ‘Ele comerá manteiga e mel, até que saiba rejeitar o mal, e escolher o beem’.” (Isaías 7:15).

      Tinham também maçãs que é uma fruta muita boa, porém Matheus disse: “É lícito a nós comer maçãs, visto que a serpente com elas enganou a nossa primeira mãe?

Gaio. – Não foram as maçãs que lhes fizeram mal, mas o pecado que levou-a a comer apesar do mandamento de Deus.

Matheus. – Pois não quis comer porque há pouco fiquei doente por causa de comer fruta. 

Gaio. – A fruta proibida faz mal, mas as que Deus nos permite comer não faz mal nenhum. Enquanto assim conversavam trouxeram-lhes umas nozes, (Cantares 6:10) e alguém disse: “as nogueiras são ruins para os dentes, principalmente para os das crianças,” mas Gaio respondeu: “As passagens difíceis de interpretar, que só encontram nas Escrituras, são semelhantes ás nozes, cujo caroço está pela casca; é preciso quebrá-las para tirar o que está escondido dentro”.

       Ficaram na mesa por muito tempo conversando sobre vários assuntos.

Imprensa Evangelica. nº 28, 
10 de Julho de 1879, p. 219.

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