Honesto. —Meu amigo, enquanto estamos quebrando as suas nozes,
tenha a bondade de esclarecer-nos este enigma. Havia um homem a quem o mundo
chamava de louco, e por mais que espalhasse os seus bens, mais tinha.
Todos escutavam para ouvir o que Gaio
havia do responder depois de pensar um pouco ele disse: “O que gasta seus bens
na sustentação dos pobres, há do receber o dobro”.
José. —Pensei que não podia adivinhar.
Gaio. —Tenho sido educado neste caminho por muito tempo,
e não ha nada que ensino como a própria experiência. Tenho aprendido do meu
Senhor a ser caridoso, e sei por minha própria experiência que assim tenho
lucrado muito! Uns repartem o que é seu, e ficam mais ricos; outros arrebatam o
que não é seu, e ficam em pobreza. Há um que parece rico, não tendo nada; e há
outro que parece pobre, achando-se no meio de muitas riquezas. (Provérbios 11:
24, 13: 7)
Então Samuel falou com sua mãe em voz
baixa, e disse-lhe: “Mamãe, esta é a casa de um homem muito justo e bom,
demoremo-nos aqui por algum tempo, e Matheus casa-se com Piedade, antes de sairmos.
Gaio, porém, ouviu o que ele disse, e
respondeu: “Que seja assim, e de muito boa vontade, meu filho”.
Portanto, ficaram ali mais de um mês, e
deram Piedade em casamento a Matheus.
Enquanto lá se demoraram, Piedade, como era
seu costume, fez muita roupa para os pobres, e assim ganhou uma fama muito boa
para os peregrinos.
Mas voltemos à nossa história. Depois de
casarem, os moços desejaram deitar-se, porque estavam cansados da viagem, e
Gaio mandou mostrar-lhes o seu quarto, e eles dormiram, mas os outros ficaram
conversando à noite inteira, porque eram tão agradáveis uns para os outros, que
não queriam separar-se. Depois de falar muito no Seu Senhor, em si mesmos, e em
sua viagem, Honesto principiou a dormitar. Valente disse-lhe: “Então, estás
querendo dormir? acorda, acorda, aqui está um enigma para adivinhar.
Honesto. —Vamos ouvi-lo.
Valente. – Quem quer vencer, primeiramente tem de ser
vencido. Quem quer viver no mundo, do mesmo modo tem de morrer em casa.
Honesto. —Um enigma bem difícil; difícil para explicar e mais
difícil praticar, por isso, hóspede, quero que tu nos expliques, e por minha
parte escutar-te-oi.
Gaio. — Isso não, foi dirigido a ti, e tu tens de
explicá-lo.
Honesto. —Pois acho a explicação. O que quer vencer o pecado,
deve ser vencido pela graça de Deus. E o que quer convencer aos outros que tem
a vida eterna, deve morrer para si.
Gaio. — Muito bem. A doutrina e a experiência assim nos ensinam.
Porque até que a graça se manifeste às
almas, e vença-a, esta não tem força para se opor ao pecado. Ainda mais, sendo
o pecado a corda com que Satanás amarra a alma, como pode ela resisti-lo até
que esteja livre d’esta?
Ninguém que sabe alguma cousa da natureza
ou da graça, há de acreditar que aquele que está escravizado pelas suas próprias
corrupções, possa ser um monumento vivo da graça de Deus.
Contar-vos-hei uma história, que vale a
pena ouvir. Havia dois homens, que encetaram viagem; um principiou quando era
moço, o outro quando já ora velho. O moço tinha de lutar com as concupiscências
da gente moça, porém as concupiscências do velho já tinham se enfraquecido por
causa da velhice.
O moço, contudo, andava passo a passo com
o velho, e muito bem com ele. Qual d’eles manifestou mais graça, visto que
pareciam o mesmo?
Honesto. – O moço sem dúvida. Porque aquele que vence mais dificuldades,
mostra-se mais forte, principalmente quando anda a passos iguais com o que
encontra menos, como n’este caso deu-se com o velho. Tenho notado que os velhos
enganaram-se nisto; a saber, eles pensam que o enfraquecimento da natureza é
uma conquista das suas concupiscências o um resultado da graça.
É verdade que os velhos que têm esta graça
de Deus são mais capazes de aconselhar os moços, porque têm experimentado a
vaidade do todas as cousas mundanas; porém, entre um velho o um moço, que saíssem
juntos, o moço tem oportunidade de manifestar mais claramente esta graça, não
obstante que as corrupções do velho têm se enfraquecido mais.
D’este modo falaram até o amanhecer.
Quando todos tinham-se levantado, Christiana mandou Thiago ler um capítulo das
Escrituras Sagradas, e ele leu o 53° de Isaías.
Acabada a leitura, Honesto perguntou porque
se dizia que o Salvador havia de sair d’uma terra sequiosa, e não havia dc ter
nem formosura, nem beleza?
Valente. – À primeira pergunta, respondo que a Igreja
judaica, da qual Jesus Cristo saiu, n’aquele tempo tinha perdido quase toda a
essência, e o espírito da verdadeira religião. À segunda, digo que são os
incrédulos que assim faliam, os quais não tendo o olho da fé o amor que enxerga
o coração do nosso Salvador; portanto, julgam-no pela aparência de seu corpo
humano. Do mesmo modo os homens ignorantes, que não sabem que as pedras
preciosas têm uma crosta feia por fora, muitas vezes jogam-na fora como uma
cousa de nenhum valor.
Gaio. –
Enquanto estais aqui, visto que o Valente sabe muito bem usar de suas armas,
vamos dar um passeio pelos campos, para ver se encontramos ocasião de fazer bem
a alguém. Daí à meia légua mora um gigante, que se chama Destroi o Bem, que
prejudica muito à estrada real n’estas partes e sei onde ele se esconde. É
capitão de uma quadrilha de ladrões; será bom livrar o país s’eles.
Consentiram, e saíram todo: Valente armado de espada, capacete e escudo, os
outros levaram lanças e bordões.
Quando chegaram ao lugar onde estava o
gigante, acharam-o despindo um pobre homem, que se chamava Inteligência Fraca, o
qual fora agarrado na estrada real por seus servos. Estava despindo-o para comê-lo,
porque era antropófago, e comia carne humana. Logo que viram Valente e seus
companheiros à boca da gruta, todos armados, perguntou o que queriam?
Valente. – Queremos prender-te a ti, porque vimos vingar
os peregrinos que tu tens roubado e morto, arrastando-os da estrada real, sai
da tua cova.
Ele, muito zangado, armou-se e saiu a
encontrá-los. Lutaram por mais de uma hora, e então pararam para tomar fôlego.
Destroi o Bem. – Porque estais aqui no meu território?
Valente. – Para vingar o sangue do muitos peregrinos, como
eu já disse.
Imprensa Evangelica. nº 30,
24 de Julho de 1879, p. 235-236
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