A viagem da Christiana com os seus filhos – John Bunyan (1628-1688)




Travou-se outra vez a luta, e Valente recuou a principio; mas, logo tomou ânimo, e deu com tanta força na cabeça e no lado do gigante, que este deixou cair sua espada; então Valente feriu-o o matou-o, tirando-lhe a cabeça, a qual trouxeram para a casa, onde levantaram-a n’uma estaca para servir de advertência a todos que procedessem como ele. Levaram também consigo para a casa, Inteligência Fraca, e perguntaram-lhe de que modo tinha caído nas mãos do gigante.

Inteligência Fraca. — Sou homem muito doentio, como vedes, e a morte veio batendo a minha porta todos os dias, de modo que julguei que nunca havia de gozar saúde em casa; portanto, encetei esta viagem, e tenho chegado até aí. Sai da Vila de Incerteza, onde nasci, e também meu pai. Não tenho forças nenhuma, nem do corpo, nem do espírito, mas, contudo, queria fazer esta viagem, ainda que tivesse de me arrastar pelo caminho. Quando cheguei à porta estreita, à entoada do caminho, o senhor da casa me acolheu com muita bondade, não disse nada a respeito do meu corpo abatido, nem do meu espírito fraco; porém me deu todas as cousas necessárias para a viagem, e me disse que esperasse até o fim. Quando cheguei à casa do Intérprete, também me mostraram muita bondade, e visto que o Monte Dificuldade era muito custoso para mim, ele mandou um dos seus servos levar-me nos braços morro acima.

     Contudo nenhum outro peregrino queria andar tão devagar como eu me acho forçado a andar, todos mo tem ajudado, e ao passar para diante, me disseram que não ficasse desanimado, que era a vontade do Senhor que os fracos se consolassem — I Tessalonicenses 5:14. Quando cheguei à Travessa do Assalto, encontrei-me com este gigante, e ele mandou preparar-me para lutar com ele. Mas, ai de mim, não pude, e ele se apoderou de mim. Julguei que não havia de me matar; também quando levou-me a sua cova, assentei que havia de sair vivo, porque tenho ouvido dizer que nenhum peregrino que está arrebatado violentamente, sem consentir, se guardar a fé, pode perder-se, segundo as leis do reino.

      Fui roubado, e isso esperava, mas vedes que tenho escapado com a vida, e por isso dou graças ao Rei, e a vós seus servos. Sei que hei de encontrar outras dificuldades, mas nisso estou resolvido; hei de correr quando puder; não podendo correr hei de andar; não podendo andar hei de arrastar-me pelo caminho.

     Quanto ao mais, graças Àquele que me amou, sei em quem tenho crido, o caminho está adiante de mim; meu espírito é minha esperança estão além do rio que não tem ponte, não obstante ter eu pouca inteligência.

Honesto. —Não conheceu há tempo um tal Temente?

Inteligência Fraca. — Conheço-o, sim; saiu da cidade de Estupidez, que está algumas quatro léguas ao norte da cidade de Destruição, e igualmente distante da minha casa; conhecemo-lo muito bem, pois era meu tio, irmão de meu pai. Parecíamos muito um com o outro; ele era um pouco mais baixo que eu, mas tínhamos as mesmas feições.

Honesto. —Vejo que conhecia-o, e acredito que sois parentes, porque tem o mesmo olhar tímido, a mesma cara pálida, e também o mesmo modo de falar.

Inteligência Fraca. — Assina dizem todos; eu também acho em mim as mesmas disposições e enfermidades que ele tinha.

Gaio. — Tem bom ânimo, és bem-vindo, a minha casa te é franca. Pede tudo que quiseres, e meus servos estão às tuas ordens para servir-te.

Inteligência Fraca. — Isto é um favor inesperado; é como uma luz que resplandece nas trevas. O gigante, Destroi-o-Bem, quis me fazer este favor quando me impediu, e não me quis deixar passar. Quis ele depois de me roubar que eu fosse à casa de Gaio.

    Enquanto assim falavam, veio alguém correndo, e batendo à porta, disse: “D’aqui à meia légua, um certo Sr. Errado, um peregrino, foi fulminado por um raio.

Inteligência Fraca. — Deveras, foi morto! Há poucos dias autos de chegar cá me alcançou no caminho, e quis me acompanhar. Também estava amigo quando Desitroi-o-Bem me pegou, mas como era muito ligeiro, elle escapou. Porém, ele escapou para morrer, e eu fui preso para viver.

     Logo depois, Matheus e Phebe casaram-se, também Gaio deu sua filha Phebe em casamento a Thiago. Depois deste casamento passaram alguns dias em casa de Gaio, gastando o tempo como é costume dos peregrinos nestas ocasiões.

     Na véspera da sua partida Gaio fez-lhes uma festa, e beberam e comeram e alegraram-se. Tendo chegado a hora deles saírem, Valente pediu a conta.

     Porém Gaio lhe respondeu que na sua casa não era costume cobrar dos peregrinos; ele os hospedava por amor, e esperava sua paga do bom Samaritano, que lhe prometera pagar-lhe tudo na sua volta, — Lucas 10:34,35.

Valente. — Caríssimo, tu te portas com fidelidade em tudo que fazes com os irmãos, e particularmente com os peregrinos, os quais deram testemunho da tua caridade na face da Igreja, aos quais só tu encaminhai-os como convém; segundo, Deus fará bem. (III João 5:6). Então Gaio despediu-se de todos, e particularmente dos seus filhos, e de Inteligência Fraca.

      Também lhes deu alguma cousa para comer no caminho.

      Enquanto saíam, Inteligência Fraca demorou-se na porta. Vendo isto Valente disse-lhe: “Vem nos acompanhar, ou serei teu condutor, e tomaras parte conosco”.

Inteligência Fraca. —Ai de mim, não sou capaz de vos acompanhar; pois vós todos sois fortes, e eu, como vedes, sou fraco; antes quero seguir atrás, para que não fique enfadado para vós e para mim mesmo, por causa das minhas enfermidades.

     Como já disse, sou fraco, e tenho pouca inteligência, e tropeçarei nas cousas das quais os outros não fariam caso. Eu não gosto de gracejos, nem de roupas bonitas, nem de muito falar. Sim, sou tão fraco que não posso admitir muitas cousas que são lícitas para os outros. Muitas verdades eu não conheço ; eu sou muito ignorante.
 
Imprensa Evangelica, nº 32, 
07 de Agosto de 1879, p. 255-256

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