As três cruzes
Estamos no
Calvário. De três pessoas cujos pensamentos são bem diversos. Na primeira cruz
está um malfeitor, ao qual a justiça dos homens levou até ao madeiro. Bem o
merecia. No entanto, nos seus últimos momentos, esse homem não tem um
pensamento para Deus, não aproveita aqueles instantes preciosos para
arrepender-se e preparar-se para a eternidade. Blasfemando contra Cristo diz: “Se tu és o Cristo, salva-te a ti mesmo, e a
nós outros”.
Depois d’uma vida de pecado, uma morte de impenitente. É um
caso típico. Trocai a cruz por um leito d morte e vereis que o fato reproduz-se
no dia de hoje, com milhares de pessoas que tendo chegado ao ocaso da vida, nem
ao menos nos seus últimos momentos querem saber de Cristo. Quantos, ah,
quantos! Estão assim aproximando-se da eternidade!
Adiantemo-nos da eternidade!
Adiantemo-nos, porém, até à cruz que está no extremo oposto e onde nos espera
um espetáculo mais consolador. D’ele também está pendente um preceito dos
homens, ao qual a justiça da terra tem condenado. Até à cruz o destino dos dous
ladrões parece ter sido idêntico. Os que tinham sido, talvez companheiros nas
correrias noturnas, pelas estradas da Judeia e da Galileia, aqueles que tinham
repartido entre si os tesouros arrancados, com a vida ao viajar incauto,
achavam-se mais uma vez irmanados pela justiça dos homens. Porém, a justiça dos
céus ia dentro em breve separá-los.
No Calvário disseram adeus e partiram por
duas estradas diferentes em demanda da eternidade. Também a esse segundo ladrão
a vida fora de trevas, porém ele aproveitava esse raio tíbio de luz celeste que
vinha da cruz central, para tomar o rumo, tal como o navegante aproveita a
estrela fugitiva que aparece n’uma aberta dos céus. A vida tinha sido para ele
como um d’esses dias enevoados desde que amanhece; mas no qual o sol, ao
esconder-se no horizonte conseguira estirar sobre os prados uma réstia de luz
afogueada que viera bater às janelas d’um coração até ali imerso em trevas.
O
bom ladrão, como é chamado, aproveitou aquela luz que rompia o escuro da sua
existência e anteviu o Sol da Eternidade; disse a Jesus: “Senhor, lembra-te de mim quando entrares no Teu reino.” E Jesus lhe
respondeu: “Em verdade te digo: Que hoje
estarás Comigo no Paraíso.”
Ano X, nº 109,
Funchal, Portugal. Outubro de 1918.
Comentários
Postar um comentário