Capa da 7ª edição, Livraria Evangelica, Lisboa, Portugal, 1929
ANGELA
OU O DIA DE NATAL
Título Original: Angel’s Christmas
Autora:
Mrs. O. F. WALTON (1849-1939)
Quando, porém,
foi de ali a alguns minutos ver se Angela já estava na cama, deparou com ela de
mãos postas, ajoelhada junto da janela. Não havia luz no quarto, mas, como a
cortina estava levantada, espargia-se o luar por de sobre a loira cabeça da
criança.
“Parece um
anjinho do céu,” disse a senhora Beatriz de si para consigo.
Angela não tinha
ouvido a mãe subir, e por isso esta, parando no último degrau, e conservando-se
ali muito quieta, pode escutar a pequena oração da filha.
“Oh! Jesus,
peço-Te que venhas esta noite. Foi grande maldade da minha parte consentir que
permanecesses do lado de fora, depois de tanto haveres feito por mim. Oh,
Jesus, rogo-Te que não continues a bater, mas, sim, que entres no meu coração e
que d’ele nunca mais tornes a sair. Amém.”
Angela meteu-se em seguida na cama, e a
mãe, limpando os olhos, veio beijá-la.
IV
FORTES PANCADAS À PORTA
“Mãe, mãe!”,
bradou a pequena Angela, altas horas da noite, aproximando-se da cama onde ses
pais estavam dormindo. “Mãe, mãe! Estão a bater com força à nossa porta!”
“Então, que é
isso, pequena?”, disse a mãe. Estás a sonhar. O teu pai está deitado há que
tempos. Vai-te deitar também tu, anda.”
“Não estou a
sonhar, minha mãe; olhe lá, bateram outra pancada.”
A senhora Beatriz, qe desta vez ouviu
também, abriu muito os olhos, e disse: “Quem será?”
Quem quer que era, batia com todas as
forças de que podia dispor. A senhora Beatriz vestiu uma saia, acendeu a luz, e
desceu a ver quem seria.
Quando voltou, vinha
extremamente pálida.
“Oh, Angela!”, disse ela. “Era o Thomé; a mãe d’ele morreu.
Deitou-se perfeitamente boa, d’ali há pouco acordou o marido aos gemidos e foi-se
embora em obra de um ou dois minutos, sem, lhe dar tempo a ele chamar alguém.”
“Oh, minha mãe,” disse Angelinha toda trêmula. “Que coisa
tão horrível! Ela esteve ontem a lavar todo o dia, e antes de me deitar vi-a
fechar a janela.”
“Ah! que aflição que aquela morte me fez!”, disse a senhora
Beatriz. “Vou ver se posso valer em alguma coisa àquela pobre gente, coitada.”
Angela não pode
dormir mais aquela noite. Não se lhe tirava da ideia o pobre Thomé, que já não
tinha mãe, e perguntava a si própria se a vizinha estaria no céu com, os anjos.
Quando a mãe voltou, eram já horas de se levantar. A senhora Beatriz havia
chorado bastante, e começou com a sua lida quase sem pronunciar uma palavra.
Quando, porém,
Angela a estava ajudando a mover a calandra, disse-lhe: “Lembra-te do que
disseste ao acordares-me esta noite, Angela? Foram estas as tuas palavras:
‘Mãe, estão a bater com força à nossa porta.’ Pois, sabe que esse dito nunca
mais se me tirou da ideia. Ouvia-te dizer durante todo o tempo em que estive a vestir
a pobre senhora Carlota: ‘Mãe, estão a bater com força à nossa porta’; e mesmo
agora neste momento em que estou ocupada com a calandra parece-me ouvir
incessantemente essas palavras.”
“Sim,” ajuntou ela.
Passado uns ou dois minutos: “de nada me serve dizer: ‘Tenho muito que fazer,
não posso recebê-Lo, por enquanto. ’ A morte, quando viesse bater-me à porta,
não atenderia a essa desculpa.”
Passou lugubremente
aquele dia, Angela, logo que se levantou, foi à janela, e, olhando para a casa
fronteira, viu que haviam, deixado às escuras o quarto de cima, onde estava a
defunta. Depois vieram tomar medida do caixão, e a senhora Beatriz trouxe o
viúvo e os órfãozinhos de mãe para sua casa, onde lhes ofereceu o jantar. O
pobre homem não fazia senão chorar, e mal provou a comida.
Foi um dia muito
triste.
Depois da ceia,
porém, quando Angela estava lavando a louça, e a mãe dobrando a roupa para a
meter na calandra, ouviu-se um estranho som no estreito pátio onde moravam. Era
um som como de várias vozes cantando.
D’ali a um
instante toda a gente do pátio tinha aberto as suas portas ou as suas janelas,
e estava procurando descobrir o que seria. Via-se no meio do pátio um homem
ainda muito novo, e de roda do mesmo um pequeno ajuntamento de pessoas com
livros abertos nas mãos.
“O que é aquilo, mãe?”, perguntou Angelinha quando a senhora
Beatriz se retirou para dentro.
“Aquele é o jovem sr. Diogo, irmão da menina rica a casa de
quem costumas levar a roupa,” disse ela, como que em segredo. “Tenho-o visto lá
muitas vezes quando vou buscar trabalho; é um dos ministros do nosso bairro.”
“Olhe, mãe,” exclamou a criança que estivera escutando o
cântico, “estão a cantar o seu hino, que vós mecê aprendeu na Escola
Dominical.”
“Não,” disse-lhe a mãe, “não é o meu hino, mas é muito
parecido com ele.”
Batem! Batem! Quem será?
Sempre! Sempre! Sempre lá!
Um Estranho Majestoso,
Nunca viste Seu igual!
Ah! minh’alma, não te apressas
Em abrir-Lhe o teu portal?
“Dezoito portas neste pátio,”
disse o jovem ministro, olhando em volta para o povo, que o estava observando.
“Dezoito portas, e todas elas abertas!”
“Ouvi agora a história de uma
porta – de uma porta fechada!”
O Evangelisador. Ano I, nº
16. Manaus-AM.
1 de Outubro de 1905, p. 3-4.
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