RODEANDO O MUNDO E PASSANDO POR ELE – WILLIAM AZEL COOK



RODEANDO O MUNDO E PASSANDO POR ELE – WILLIAM AZEL COOK
(Through the wildernesses of Brazil: By horse, canoe and float)

CAPÍTULO II

O BOM VELHO E A BIBLIA FALSA

    Passámos o terceiro domingo na Villa de Bella Vista, onde chegámos ao fechar da noite debaixo de chuva, depois de nos termos perdido no matto. Ahi, procurando hospedagem por algum tempo sem resultado, já julgávamos que tinhamos de passar a noite ao fresco, quando um bom velho poz a sua casa ás nossas ordens. Logo que nosso bom amigo soube que levamos a Biblia Sagrada, pertubou-se muito, julgando talvez que hospedava um mau-genio em vez de boa gente, e exclamou: “Tem Biblias falsas?” E dizendo isto abriu uma secretaria de onde tirou uma Biblia de Figueiredo e nos disse: Esta é uma Biblia falsa. Tinha escripto no Livro que a comprára havia dezenove annos, julgando ter comprado uma Biblia boa, mas achara mais tarde que era falsa. O Livro, a divina Luz, ficou, pois, escondido na sua secretaria dezenove annos inteiros. Nós lhe perguntamos: “Por que julga que esta Biblia é falsa?” “É truncada quanto a Maria Santíssima e não ensina que ella foi sempre virgem,” etc., etc. Que infortúnio!

    Este ancião tinha escondido em sua casa por dezenove annos a verdadeira lâmpada de Deus e não o sabia. Conversamos mais com elle sobre o Evangelho e a Egreja evangelica. “Mas” exclamou elle, “na sua Egreja não tem santos?” Sim, Sr., temos muitos; porém os nossos sanctos não são sanctos fabricados, e sim são gente viva que ama a Jesus e segue uma vida pura e sancta. “De certo porém,” disse-nos elle, “não tem imagens na sua egreja?” Sim, temos, mas as nossas imagens não são bonecas, e sim gente viva que obedece á lei de Jesus e imita a sua vida.

UMA PERGUNTA PERTINENTE

    Na mesma villa, á bocca da noite, encontramos na rua tres moços que assistiram á leitura das Escripturas aquella mesma tarde, os quaes nos pediram que lh’as lêssemos outra vez.

    Lemos e fallamos sobre vários trechos, e por fim lhes dissemos: “podemos ler versículos que a maioria da gente não gosta de ouvir e que lhes é difficil receber.” Quizeram ouvir estes versículos. Lemos, pois,  a primeira parte do capitulo XX de Exodo.

     Depois da leitura ficaram calados por um momento. Depois um delles perguntou-nos: “Como é que nós nos temos desviado tanto da lei divina?”

     Replicamos que Deus deu a sua lei a seu antigo povo, os judeos, e lhes mandou que lessem, estudassem e guardassem nos corações, e a praticassem todos os dias, mas elles foram-se esquecendo desta lei divina e ao mesmo tempo iam introduzindo innovações no culto divino. O mesmo aconteceu nos séculos que se seguiram a Jesus Christo. A Luz divina foi escondida e, portanto, a egreja tem se afastado cada vez mais da Lei de Deus, introduzindo, ao mesmo tempo, abominações no culto divino.
      Durante a leitura da Palavra de Deus foram-se reunindo em volta de nós outras pessoas, e assim tivemos uma boa conferencia ao ar livre.

      Ás vezes a gente imaginava que nós éramos uma espécie de monge ou frade, ou algum religioso romano ou politico, e um dia assentados numa casa lendo e fallando sobre as Escripturas divinas, entrou o ferreiro da Villa e nos perguntou se andávamos militando pela republica ou pela monarchia. Nem uma nem outra cousa, respondemos, estamos militando pelo Reino de Deus.

QUE DIZ A PALAVRA DE DEUS?

       Em outra povoação, pediu-nos um velho que celebrássemos missa na capella. Replicamos que a Palavra de Deus não nos ensinava a dizer missa, que não podíamos fazer nada contra ella, e que nós todos tínhamos obrigação de seguir a Palavra, custasse o que custasse. “Que diz a Palavra de Deus?” perguntou-nos elle com lagrimas, – Eu quero saber e seguir o que Deus ensina por custoso que me seja; e encostado a uma cerca lhe lemos as preciosas palavras da vida.

O MATUTO E A LAMPADA DIVINA

        Sempre vendemos a Palavra de Deus aos moradores do caminho, e um dia cavalgando escoteiro no alto sertão de Goyaz, desviámo-nos da estrada para descançarmos e procurarmos algum alimento em um rancho que tínhamos avistado. Lá achámos nas mãos do pobre matuto – pae de familia, uma Biblia de Almeida muito estragada, que elle trouxe de grande distancia. Conversamos com elle e logo achamos que não obstante nunca ter assistido á pregação do Evangelho, sabia muito do caminho que Deus manda seguir.

A CAPITAL GOYANA

        Depois de um mez de caminho, chegamos á capital de Goyaz. É esta uma cidade de cinco a oito mil habitantes, vistosamente collocada na antiga terra de caça dos índios Goyazes, inteiramente rodeada de montanhas e atravessada por dois ou tres ribeiros.

       Por causa dos abusos do romanismo, muita gente da capital Goyana, e especialmente os homens principaes têm-se revoltado contra o romanismo, e seguem o positivismo, o materialismo e a incredulidade. Porém muitos têm bastante desejo de dar ouvidos á Voz de Deus como Elle falla no Seu Livro; portanto, o estão lendo e estudando com cada vez mais interesse.

     Está escripto varias vezes que a Palavra de Deus corre. Oxalá que este precioso Livro da verdade eterna – o manancial da vida, da luz, do gozo e da mais alta civilização e intelligencia corra velozmente entre o povo goyano a seja o Fogo de Deus para destruir o peccado, e a Semente de Deus para nascer a nova vida – para produzir homens transformados.

O Estandarte. Ano VIII, nº 8. São Paulo-SP, 22 de Fevereiro de 1900, p. 2-3.

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