RODEANDO O MUNDO E PASSANDO POR ELE – WILLIAM AZEL COOK



RODEANDO O MUNDO E PASSANDO POR ELE – WILLIAM AZEL COOK
(Through the wildernesses of Brazil: By horse, canoe and float)

CAPÍTULO III

O REVD. SR. JOÃO BOYLE

      Ha alguns annos, visitou a capital goyana onde pregou o Evangelho e distribuiu a Biblia Sagrada, o Revd. Sr. João Boyle; e em todo o sul do estado de Goyaz onde andamos temos encontrado excellentes resultados dos trabalhos deste dedicado e infatigável trabalhador da vinha do Senhor.

UM LIVRE PENSADOR

       Tivemos o prazer de encontrar numerosos amigos na capital de Goyaz, os quaes nos tratam mui bondosamente. Um amigo – um dos negociantes principaes, um homem muito serio e justo, comprou cinco Biblias para distribuil-as entre amigos seus; porém disse-nos que não obstante ler a Biblia e gostar della, não sabia se era divinamente inspirada ou não. Respondemos em resumo que Deus não sómente nos da uma mensagem, mas tambem a prova absoluta de que a dita mensagem procede dElle, pois de outro modo não teríamos obrigação de pôl-a em pratica. Deus tem-nos dado muitas provas, e cada uma por si mesma é sufficiente. Por exemplo, não há homem que saiba o futuro, e a Biblia tem fallado de um grande numero de acontecimentos antes de se realizarem. Nisto, quando não tivéssemos mais provas, é patente o sello divino. Chamamos, pois a attenção do amigo para o capitulo LIII, de Isaias. Elle o leu com cuidado e nos respondeu: Pode ser, porém que estas cousas tivessem sido escriptas depois de Christo. Replicamos que isto seria impossível, porque temos toda a evidencia de que este capitulo existia ao menos tres ou quatros éculos antes do nascimento de Christo. Elle então reflectiu sobre estas cousas por um momento, e prometteu-nos considerar o capituo XXII dos Psalmos.

OS INCENDIARIOS

      Como de costume, os devotos do ancião do Tibre esforçaram-se para apanhar e reduzir á cinzas a sancta Palavra de Deus.
       Porém abrazar este Livro é como queimar uma barrica de pólvora: o negocio é sempre muito mal succedido para os mãos-genios que se entregam a este divertimento.
DE GOYAZ A SANTA LEOPOLDINA
       Infelizmente, pudemos trabalhar apenas uma semana na capital de Goyaz; e depois de arranjarmos cosinha etc, seguimos para Santa Leopoldina, que fica á beira do rio Araguaya.

       De Araguary á capital de Goyaz há caminho – mas para gente a Cavallo sómente. Da capital de Goyaz até Santa Leopoldina há rastos – que mais parecem de cabritos montezes do que de gente.

      Neste pedaço de caminho viajamos muito devagar, gastando muita paciência e nove dias. Geralmente, achamos ranchos para pernoitar. Uma noite, porém, a chuva passou pelo tecto da velha choupana onde nos arranjamos, do mesmo modo que passa por uma peneira e molhou-nos a todos; e uma outra noite dormimos no matto encostado a uns caixões e com a abobada estrellada por tecto.

       Pelo caminho encontramos nas mãos de um velho matuto uma Biblia de Almeida que para elle era o seu alimento constante.

      Foi-nos muito tocante acharmos a Arca de Deus habitando numa morada que não era digna nem mesmo do nome de choupana, e abençoando a vida do pobre velho e a sua mulher.

      Encontramos mais outra gente que mostrou muito desejo de possuir a “Tocha Resplandecente”, e tivemos o prazer de satisfazer este desejo.

A SANTA LEOPOLDINA

      É uma pequena povoação out’ora florescente, mas hoje sepultada no matto e fora do mundo. Achamos ahi amarrado á beira do rio o vaporzinho que o General Couto de Magalhães transportou da capital de Matto Grosso em carros com trabalho enorme; o qual navegava no rio Araguaya durante alguns annos, mas agora não funcciona mais, e não tardará muito a achar cemiterio e ajuntar-se a dois outros infelizes naviosinhos que subiram do Pará. Desde que acabou a navegação pelo rio, tudo vae se acabando em Santa Leopoldina, até a mesma gente. O governo tem gasto uma somma avultada de dinheiro na navegação do rio Araguaya, mas tudo está acabado sem resultado algum.

      Tivemos pena da pobre, mas boa gente deste tão desamparado logar. Quasi todos queriam receber a Palavra de Deus, e tivemos o prazer de collocar este Candieiro Espiritual na maioria das casas.

     Encontramos ahi a Senhora Professora que vinha do Rio de Janeiro, seu filho e companheiro e os cinco índios Cherentes inclusive Joaquim Sépé Brazil. Estavam todos quasi promptos para principiarem a descida do rio e nós logo combinamos em acompanhal-os.
UM EMBARQUE IMPONENTE

       Logo ficamos promptos e começamos a descida do rio Araguaya embarcados em um botezinho e uma grande canoa feita de um só pau, carregando muita mala, dez pessoas e do doze cachorros e cachorrinhos da Sra. Professora.

       A despedida, a que assistia a povoação inteira vestida a moda de festa, foi estrondosa, sendo seguida pelo gritar e bradar da gente, pelo tocar de trombetas, pelo estalar de armas de fogo e pelo uivar dos cães, e sendo bastante enthusiasmada pela cachaça que tinha-se apoderado dos nossos índios. Algum sujeito bondosamente tinha dado cachaça aos índios e por conseqüência quase nos metteram todos a pique. Alguns dias mais tarde ajuntámos mais seis camaradas á nossa companhia, – dois pretos e quatro indios Carajás.

    Logo no principio da viajem arranjamos muita farinha de mandioca e abatemos uma rez; e ao narrador coube uma pequena quantidade de arroz, um pouco de assucar e alguns queijos. A carne apodreceu logo, mas felizmente o rio Araguaya tem uma riqueza de peixes pequenos e grandes, e também bichos grandes, como uma espécie de hippopotamo e lontras; e nos mattos e campos por onde passa o rio, acha-se uma abundancia de caça. Portanto quasi sempre achamos alguma cousa para comer com a nossa farinha e arroz.

UM ELDORADO

       Que riquezas incomprehensiveis se encontram no mundão do rio Araguaya! Que campos riquíssimos e inexhauriveis, capazes de sustentar exércitos de gado! Que mattos magníficos, onde andam uma abundancia de caça de todos as qualidades! Que terrenos fertilíssimos, capazes de alimentar ricamente populações enormes! Que sublimidade de montanhas, de valles, de planicies, de ilhas, de águas e praias! Que exércitos do reino animal nadam nessas aguas!

O Estandarte. Ano VIII, nº 9. São Paulo-SP, 1 de Março de 1900, p. 3.

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