RODEANDO
O MUNDO E PASSANDO POR ELE – WILLIAM AZEL COOK
(Through the wildernesses of Brazil: By horse, canoe and float)
CAPÍTULO
V
COSTUMES,
OCCUPAÇÕES, ARMAS, ETC.
Estes índios
gostam muito de fumar e o cachimbo feito de uma certa qualidade de madeira, é
similhante a uma grande cortiça tendo um tanto da forma de um funil e ôco no
extremidade maior onde colloca o fogo.
Para
defenderem-se dos enxames de moscas e mosquitos que infestam aquelle mundão,
todos os índios ungem-se em uma composição fétida.
Fazem grandes
urnas de barro para cozinhar as comidas, e teem roçinhas, em que plantam
melancias, e, em regra, algum milho e aboboras. Nas praias plantam melancias;
mas em regra nunca deixam amadurecer quase nada: comem as melancias e as aboboras
muito verdes, e o milho quando tem apenas espiga. Esta pobre gente não póde
fazer roças grandes porque lhes faltam as ferramentas para derrubarem as mattas
e cultivarem a terra. Por alimento, comem os vegetaes da roça, peixes que
apanham com o arco e flecha, caça pequena, e massas de fructos e vegetaes
bravos.
Por armas, além
de arcos e flechas, teem lanças de madeira de quase tres metros de cumprimento,
ponteadas com canellas de onça e ornadas de pennas; e cacêtes grandes e
pesados.
Por onde
passávamos, os índios queriam compar-nos farinha de mandioca, sal, facas, fumo,
contas, anzoes, panno etc., offerecendo-nos em troca os seus enfeites, algumas
espigas de milho, aboboras, melancias, peixe e cêra de abelhas. Negociamos com
elles tanto quanto foi possível.
OS
FINADOS
Quando algum
delles morre, o corpo é ornamentado de pennas enquanto os vivos levantam um
grande pranto. Depois, o corpo enterrado no cemiterio, e a certas horas de
todos os dias durante um tempo fixo, os parentes de joelhos em casas proprias,
lamentam a morte com gritos e gemidos e enumeram as virtudes do finado. O corpo
deste é enterrado no chão até apodrecer a carne, depois exhumam os ossos e os
collocam numa grande urna de barro, que deixam no cemitério em cima da sepultura.
Plantam melancias no cemitério, mas não as comem.
A
CASA DO BICHO
Um dia visitámos
a casa do bicho, onde guardam o apparelho usado na dança offerecida ao diabo.
Este apparelho consiste primeiramente de uma saia de capim, sendo uma extremidade
das hastas presa a um cinto tambem de capim, e a outra frouxa e que se estende
até aos artelhos. Além da saia, teem uma especie de capa, tambem de capim,
semelhante á saia, amarrada ao pescoço e descendo até abaixo da cintura. A
terceira parte do vestuário é uma espécie de capucho, feito tambem de capim. A
parte inferior é frouxa desce sobre os hombros e esconde toda a cabeça; e a
superior é ornada de pennas de varias cores.
Quando executam a
dança, o seu jeito que veste o apparelho segura em cada mão um chocalho feito
de uma cabaça ora com algumas pedrinhas detro, e dança inclinando o corpo de
uma a outra banda, cantando primeiramente em notas baixas e ultimamente em
notas altas: tu-ku tu-ku tu-hu-u-u-u-u-hu repetidas vezes, sacudindo sempre o
chocalho. Uma ou mais pessoas podem executa: esta dança. Disseram-nos que se
alguem mencionasse o nome do dançador, embora todos saibam quem é, morreria na
mesma hora.
A
LUCTA
Passamos uma
noite em certa aldeia e presenciámos a “lucta”. É costume entre estes índios
que quando os de uma aldeia chegam de visita a outra, não podem passear
immediatamente entre a gente sem que fiquem mui calados encostados nas suas
canôas até depois da lucta.
Esta lucta é um
combate athletico e amigável em que os visitantes teem de medir as suas forças
physicas com as do mesmo numero de luctadores de aldeia em que estão, – uma
espécie de briga de gallos. A peleja começa com a troca entre as duas
companhias de combatentes de uma serie de gritos de guerra, apostando uns com os
outros. Chegados frente a frente na presença de toda a aldeia, quando há quatro
luctadores de cada lado, por exemplo, as duas companhias approximam-se dançando
em pares uma dança que assemelha uma serie de saltos, com os braços extendidos
e dobrados e os corpos inclinados e rigidos e bradando sempre. Agarram-se logo
e termina o primeiro jogo com a metade dos gladiadores no chão. Nos seguintes
jogos, os combatentes approximam-se do mesmo modo mas individualmente.
Esta lucta é uma
cerimonia simplesmente e ninguem se importa com os vencendores ou vencidos.
Acabada ella, os visitantes recebem comidas e podem passear francamente na
aldeia.
AMANTES
DE MUSICA
Estes índios,
como ‘todos os mais, gostam de musica e cantam muito, mas os canticos delles são
muito exquisitos. Teem um hymno de alegria que sempre cantam quando vão
chegando a uma das suas aldeias. Este hymno quer dizer que amigos veem, que
trazem boas novas e teem alegria por estarem para chegar em casa. A primeira
parte deste hymno é executado á trote nas notas baixas, e a ultima parte á
gallope nas notas altas.
A língua destes
índios é de consoantes e fortemente aspirada. A maioria delles quase nada sabem
da língua portugueza. Felizmente, porém, tínhamos comnosco um velho Carajá a
quem chamávamos “Capitão Pedro,” o qual sabia sofrivelmente a língua
portugueza, o que nos ajudou muito para comunicarmos com esta gente.
Sempre procuramos
as praias para dormir por causa dos exércitos de mosquitos, mas geralmente
continuávamos a viagem durante uma porção ou até toda a noite.
O
Estandarte. Ano VIII, nº 11. São Paulo-SP, 15 de Março de 1900, p. 2-3.
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