RODEANDO
O MUNDO E PASSANDO POR ELE
VIAGEM
DE NOSSO IRMÃO W.A.COOK NO INTERIOR DO BRAZIL
CAPÍTULO
VII
ESCOLAS
FREDESCAS
O trabalho dos
frades em beneficio dos índios é geralmente o seguinte: Escolhem vinte e cinco
kilometros quadrados de terreno mais ou menos, dentro do alcance das aldeias;
edificam casas para as aulas, para os mestres, para internatos, capella, etc.
Quando tudo fica prompto, dirigem-se, carregados de facões, enxadões, e mais
outras cousas de que os índios gostam, ás aldeias e ahi compram ou seguram de
algum modo alguns indios.
O frade não
assenta a eschola na aldeia nem ajunta as familias dos índios ao pé da eschola,
nem deseja que estas venham morar junto da eschola. Mas antes, deseja e convida
que venham fazer casas ao pé de sua santa gente, a gente christã (?), a gente
por elle instruida desdes a infância e que, tendo-o por Deus, anda
chafurdando-se no pantano pestifero do vicio, da ingnorancia e da superstição.
Este povo, portanto, logo estabelece residencia ao pé do “santo frade,” e os
meninos selvagens podem aprender na escholas as “doutrinas christãs (?)” podem
ver estas doutrinas exemplificadas na vida do frade e na dos seus adeptos; e
também, podem nutrit as suas almas com as bellezas da “civilização (?)” que os
rodêa. Os pobres aborigenas, porém, acustumados desde o nascimento a andarem
absolutamente á vontade, e estando separados do seu povo, não se dão muito bem
com esta “instrucção” e “civilização” e não apreciam, e sempre que podem, fogem
e voltam para casa.
A
PROTECÇÃO DIVINA
Não podemos
deixar de recordar o modo pelo qual Deus cuidava de nós durante a viagem do rio
Araguaya. Corremos muitas vezes grandes perigos, especialmente no alto
Araguaya, e em certos outros logares por causa dos tocos e das pedras;
caminhando de noite, levados pela força da corrente, o piloto e toda a gente ás
vezes dormiam, e ás vezes escápamos de naufragio quase que por milagre. Muitos
dias de tarde romperam sobre nós fortes temporaes e não podendo governar mais o
botezinho, fomos ás vezes impellidos para o matto que se estende sobre a agua,
e obrigados a passar a noite ahi. Outras vezes dormimos ou passamos a noite
vizinhança de índios um tanto bravos.
Outras vezes
apanhamos algum peixão ou animal de caça na mesma hora em que tínhamos
precisão, porque não levamos carne comnosco e fomos obrigados a depender da
caça para nosso sustento.
Um facto
interessante aos amantes do fumo é que quando nossa gente apanhava um peixe
grande, que não podia collocar na canoa de uma vez, quando conseguia encostal-o
na canoa amassava um bocado de fumo e o mettia na boca delle paralyzando-o
assim num instante.
SANTA
MARIA DE ARAGUAYA
Gasto um mez na
viagem do rio Araguaya, chegamos ao antigo presídio de Santa Maria, povoação
que foi fundada há quase cincoenta annos. Chegados a este logar, principiaram
as nossas maiores difficuldades – as dificuldades de acharmos alimento. O
alimento que trouxemos comnosco e as poucas cousas que existiam ahi foram
devoradas quase num instante por nossa companhia. Arroz não havia, feijão quase
nunca havia, farinha de mandioca era difficil obter, carne de gado só apparecia
de vez em quando, peixe raras vezes por causa da enchente; o assucar talvez
nunca houvesse lá, e a rapadura acabara-se logo; de sorte que quando estivemos
doentes furtaram cincoenta grammas deste para fazer-nos uma chicara de
chocolate; Leite, galinhas e ovos appareciam raramente. Offerecemos até cinco
mil reis por uma garrafa de leite se achal-o senão poucas vezes. Uma mulher
deixou de mandar-nos leite dizendo que o bezerro precisava delle. Para ella
valia mais a vida do bezerro do que a gente. Uma outra mulher não queria vender
leite dizendo que leite era sangue e ninguem deve vender sangue.
Porem nessa
povoação, que e “santa” só por nome, existem certas cousas em abundancia, –
cachaça e fumo – dois venenos que operam poderosamente para a destruição de
qualquer povo ou nação. Homens, mulheres, meninos e meninas, consomem
quantidades enormes destes venenos, e as mulheres bebem tanta que algumas
dellas ficam embriagadas. Este logar é o paraizo do vicio, da ignorância e da
superstição, e a gente quasi adora aos “reverendos (?) frades.” Este pobre povo,
porém, tem-se por “christão” salvo e sancto, e julgava que nós eramos o diabo
encarnado.
Prégámos ahi o
santo Evangelho, distribuímos as Escripturas, e esforçamos-nos para espalhar um
pouco de Luz naquella escuridão medonha.
O velho Coronel,
o homem mais illustrado naquelle sertão, tinha uma Biblia de Almeida muito
estragada. Nós lhe arranjamos uma Biblia completa e lhe emprestamos um livro
entitulado “Comparação entre a egreja de Roma e as Santas Escripturas”. Elle
leu este livro, e nos disse particularmente que tudo era bem certo; mas não
obstante isto, vae á egreja e dirige a reza berrando “Com minha Mãe estarei”,
disse-nos que ia á egreja para que a gente julgasse que tem fé (??) e não o
apedrejasse.
O
Estandarte. Ano VIII, nº 13. São Paulo-SP, 29 de Março de 1900, p. 2-3.
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