RODEANDO
O MUNDO E PASSANDO POR ELE
VIAGEM
DE NOSSO IRMÃO W.A.COOK NO INTERIOR DO BRAZIL
VII - UM
“SANTO” FRADE
O medo do Coronel nasceu de um
caso que se deu naquelle mesmo logar.
Por muitos dias
um frade andava “chumbeando”, “pintando o diabo”, e fazendo “barulhão”, e
quando desenlameou-se um pouco, e “seccou-se”, denunciou que Deus lhe tinha
dado uma revelação, que visitara o inferno, (sem duvida) e vira ahi alguns que
outrora moravam naquelle sertão, e vira também alguns que ainda não tinhão
entrado no descanço (?) inferno e prestes para entrar corporalmente. O povo,
porque tinha muita confiança e fé neste fiscal do inferno acreditou na
revelação e começou olhar o coronel com muitas suspeitas. Portanto este julgava
bom fingir-se religioso.
UMA
RUINA FREQUENTADA
Um da nossa
companhia cahiu bastante doente e ficou quase morto; e hospedou-se no antigo
quartel militar. Esta casa estava muito estragada, e entravam francamente as
chuvas e ventos. Entravam também as cabritas e berravam; entravam as galinhas e
gallos e cantavam; entravam os cães e furatavam o pouco alimento que tínhamos;
entravam as araras e gritavam e a gente fallava, e entrava a pulga penetrante e
penetrava os pés do homem doente, e lhe arrancamos cincoenta destes bichos com
os seus saccos. Só quasi não entravam “munições de bocca”.
Ficámos tão
doentes e abatidos em Santa Maria que começámos a julgar que nunca mais
sahiriamos dalli. Por algum tempo ficamos meio-cegos e quasi incapazes em ficam
em pé, sem podermos recuperar a saude e passando muita fome. Então fizemos
oração a Deus para nos salvar e Elle nos deu segurança que teriamos mais alguns
annos para o servir.
DE
SANTA MARIA AO RIO DO SOMNO
O caminho que vae
de Santa Maria ao Rio do Somno é muito peior do que aquelle que vae de Goyaz á
Santa Leopoldina, e no tempo da chuva faz-se esta viagem com grandes
difficuldades. Subimos e descemos montanhas e morros ingrimes, atravessamos
rios nos quaes nadavam os cavallos e passámo-nos a nós e a nossa bagagem,
andando numa arvore e varas; da mesma maneira com que se anda num cabo tenso.
Passamos ribeiros a váu, descendo em abysmos escuros com a agua dando até quasi
as costas dos animaes, penetramos mattos onde os espinhos rasgaram-nos a roupa
e a carne. Atravessámos terrenos pantanosos onde os animaes atolavam e cahiam.
Naquele tempo o narrador estava doente e bastante fraco, e o seu animal que
estava em estado – quasi de morte, cahiu num destes atoleiros, assentou-se e
começou a deitar-se, obrigando aquelle a apear depressa e a caminhar a pé uma
boa distancia com a agua e lama acima dos joelhos.
POBREZA
A pobreza que se
encontra naquelles sertões é quasi incomprehensivel em vista das riquezas
naturaes da terra. Encontrámos uma familia que andava quasi nua, e naquelle
tempo, como nos disseram, comiam principalmente aboboras. Em outro rancho onde
chegamos á bocca da noite, achamos só quatro ovos e vimos uma pequena plantação
de fumo.
A
MÃO DE DEUS
Era evidente
que a mão de Deus cuidava de nós nesta viagem. Fizemos a viagem no tempo da
chuva, e a tropa que nos adiantou mais de uma semana, sofreu horrores: porém
nós, não obstante vermos quasi todos os dias a chuva cahindo em toda a parte ao
redor de nós, não apanhamos nada senão um pouquinho uma vez.
Choveu a cântaros
com fortes ventos uma tarde e toda a noite, mas nós estávamos bem abrigados num
bom rancho. Outra noite começou a chover no momento da nossa chegada a um
rancho e acabou no momento em que estávamos promptos para seguir viagem. Do
mesmo modo Deus cuidava de nós quanto ao alimento. Uma noite, chegados a um
rancho, procuramos alguma cousa para comer sem acharmos nada; mas, na manhã
seguinte, um pobre matuto, pae de famiia grande, tendo morto uma anta, deu-nos
um quarto e appareceu uma gallinha e um boccado de arroz.
A
PRIMEIRA VISITA A UMA ALDEIA CHERENTE
Durante a
viagem para Rio do Somno, sahimos do caminho sete legoas para visitar uma
aldeia dos Cherentes.
Estes índios
tinhão-nos esperado por largo tempo, e sendo avisados de que nós iamos
chegando, apromptaram-se e sahiram-nos ao encontro. Nunca vimos tal espectaculo
como esse que se nos apresentou ao chegarmos á aldeia. – Gente vestida no
uniforme completo da praça; gente vestida á moda de sertanejo, com calças e
camisas de algodão e chapéo; gente trajando uma camada de tinta que faz
afugentar as moscas. Essa congregação nos saudou com alegria, dando tiros de
espingardas, tocando trombetas e buzinas, dando vivas e gritos. Tinham-nos
reservado uma nova casa e logo nos conduziram para lá. Entrando nós em casa,
ella logo regorgitou-se desta pobre gente mal vestida ou sem vestidos; mas de
bom coração, para nos saudar e nos dar bemvindo, e para nos abraçar.
Sabendo elles que
nós não tinhamos comido quasi nada aquelle dia e já era tarde, logo começaram
apparecer trazendo carne de anta e carne de porco do matto assada, e uma
espécie de pão muito azedo, feito de farinha de milho. A nossa fome não era
tanta que comessemos esse pão, mas comemos carne por quasi uma hora inteira.
Tinhão reservado tambem para nós um pouco domestico e apressaram-se a mata-lo
quando nós chegamos. Trouxeram-nos tambem ovos, gallinhas e vários vegetaes,
etc.
No dia seguinte
visitamos uma grande roça onde se achava mandioca, milho, arroz, bananas,
amendoim, aboboras e yames, provando-nos claramente que elles trabalham muito.
Elles não teem animaes domesticos, senão umas galinhas. Só uma família tinha
porcos e cavallos, a saber, um preto casado com uma india. Toda a carne que
comem, vem da caça. Quando um caçador apanha algum animal, retalha-o e o assa. Se
isto não lhe chega para uma carga, continúa a caça, ficando no matto ás vezes
dia e noite, por tres ou quatro dias. Quando se acha carregado, volta á aldeia e
reparte-se a carne entre todas as familias.
As choupanas são
feitas de ramos de palmeira e de barro; são divididas geralmente em tres
quartos e teem estrados feitos de varas sobre os quaes dormem. Achamos morando
numa choupana especial os velhos e as velhas.
O
Estandarte. Ano VIII, nº 14. São Paulo-SP, 05 de Abril de 1900, p. 2-3.
Comentários
Postar um comentário