RODEANDO
O MUNDO E PASSANDO POR ELE
VIAGEM
DE NOSSO IRMÃO W.A.COOK NO INTERIOR DO BRAZIL
IX
Chamavam-nos
judeo e imaginavam que um judeo é o demonio e carne e ossos. Imaginavam que nós
não comiamos carne alguma. A – Na verdade não comiamos muito porque não
podiamos achal-a.
Um dia, estando
doente e assentado na rêde com a porta que dava na rua fechada, entrou em nosso
quarto por outra um pobre bebado e plantou-se no banco á frente de nós sem nos
saudar. Abriu a entrevista grasnando-nos: “Na sua terra o Sr. é padre, mas aqui
não é nada!” Mais tarde elle disse: “O sr. é judeo.” Replicamos que julgavamos
que não eramos. Cravando os olhos em nós, rosnou: “O sr. come carne?” Quando
lhe asseguramos que comiamos carne quando podíamos achal-a, elle tornou-se
muito amigável e nos abraçou. Antes de sahir quis ver nossos pés e vendo-os,
ficou muito satisfeito, e nos pediu que lhe lêssemos alguma cousa da Palavra de
Deus. lemos. Depois elle nos abraçou outra vez e sahiu.
Outro dia
“estando deitado na rêde com a porta da rua fechada, appareceu na outra porta
uma mulher devota de Baccho que queria ver os nossos dentes compridos; e
julgando que estávamos dormindo rosnou: “Está dormindo, desgraçado!” Quando os
levantamos e lhe dissemos, “boa tarde” ella sumiu.
No principio da
nossa estada na villa, quando davamos um passeio, sahiam das casas familias
inteiras e fitavam os olhos em nós como se fossemos algum monstro do outro
mundo. Diziam que quando vamos banhar no rio, não tiramos os calçados para não
deixar a gente ver os nosso pés de pato.
Não podémos
passear fóra da villa com muito socego por causa dos maus genios, e os amigos
sempre nos aconselhavam a não sahirmos sósinhos.
Na manhã do
domingo da Paschoa, fizeram um “Judas” e chamando um bando de rapazes, acabaram
com elle a pau e chicote; e ao passo que se executou este acto nobre, tocavam
alegremente os sinos da egreja. Depois alguns fallaram de tratar-nos a nós do
mesmo modo que trataram o “Judas.”
UM
MONARCHA ABSOLUTO
Chegou á villa de visita
pastoral, tres semanas depois da nossa chegada, o frade que reina como monarcha
absoluto nesse sertão; por cortezia e conforme o desejo de alguns amigos, fomos
visital-o.
Chegado a casa
d’elle e tendo-me assentado, sua magestade abriu a entrevista explicando que
não me recebia como correligionario, mas apenas como cidadão; que não queria
discutir religião commigo porque sabia “tudo a respeito de protestantismo” e
immediatamente começou a injuriar a mim e á egreja evangélica, dirigindo-se a
um grupo dos cidadãos que entraram na sala. De certo fui obrigado a responder
alguma cousa. Abrí um Novo Testamento de Figueiredo para provar uma observação.
“Essa Biblia é falsa”, bradou elle, “e eu estou queimando toas as que acho!”
“Pois bem, mostre-me a sua Biblia”, disse-lhe eu. Respondeu-me que a sua Biblia
tinha ficado em P.– um logar situado a vinte legoas d’alli não obstante me
haver assegurado positivamente que ia e estudava a Biblia todos os dias!
Queria
abafar minha voz e na falta de respostas melhores este santo homem chamou-me
“besta mentirosa, ministro do inferno” e acabou a entrevista admoestando-me que
não semeasse mais semente no seu campo, pois podia-me “acontecer o mesmo que
tinha acontecido a certos protestantes em Santa Rita, que anoiteceram e não
amanheceram”.
E da se isto no
Brazil republicano e livre!
Mais tarde,
desculpou-se a um amigo meu dizendo que na occasião da minha visita estava um
pouco chumbado (?).
No seu
sermão na egreja, o frade aconselhou o povo a que não me fizesse mal algum, mas
não se desse commigo. Depois disto falou particularmente com um dos cidadãos
principaes dizendo: “acho que seria bom ajuntar a gente e botar fora aquelle
homem”.
Não obstante o maú tratamento que tenho
soffrido, sou tratado com muita bondade pelos cidadãos principaes.
Quando um
padre ou monge acha alguma Biblia minha em poder de qualquer familia, diz: “Esta
Biblia é falsa: vocês não devem lel-a”. Em seguida mette o livro debaixo da
saia e vai-se embora. Quando acha porém alguma Biblia approvada pela egreja
romana, diz: “Esta Bilbia é boa, mas vocês não devem lel-a, porque não podem
entendel-a”; mette o livro debaixo da saia e vai-se embora!
Sabem elles
que a minha Biblia é uma fiel traducção das Escripturas originaes? Se não sabem
estão commetendo um crime de ignorancia. Sabem elles que é uma fiel traducção?
Commettem um
crime ainda peior tirando-a do povo.
Reparando bem as grosseiras
selvagerias e mentiras do frade, o povo ficara muito impressionado pela
supramencionada entrevista, e fallaram sobre estas cousas a favor de nós e do
Evangelho em toda a parte.
OS
CAROLAS
Ha muitos “carolas”,
especialmente na povoação onde o frade mora, que procuram vestir-se a moda
delle. Constou-nos que elles dizem delle: “De dia está aqui entre nós, mas á
noite vae dormir com Jesus Christo no céu.” E se elle mandasse ao seu rebanho
comer estrume da rua, muitos delles o comiam.
Este frade está
naquelle sertão trinta e tres annos e tem tido bastante tempo para instruir o
seu rebanho, e com a santissima Luz do Evangelho espancar as trevas horriveis em
que está sepultado este pobre povo. Mas é bem evidente que na alma delle não
existe a brilhante Luz do Evangelho.
O
Estandarte. Ano VIII, nº 17. São Paulo-SP, 26 de Abril de 1900, p. 2-3.
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