XI
OS
DEVOTOS DE BACCHO E OS PAGODES
Baccho, como o romanismo, tem muitos “carolas” em Pedro
Affonso. Nunca vimos tantos bêbedos e a cachaça nunca falta. Nem faltam
assassinos naquelle sertão. Encontramos varias vezes um velho preto que
cometteu quatro mortes. Elle andava sempre carregando dois facões e uma grande
pistola.
Ha na villa uma
rua que se chama “A Rua Perdida”, por causa das muitas brigas e mortes que se
realizaram ahi.
É nessa rua que se
dão esses “Pagodes” – essas rodas voluptuosas. Durante uma noite inteira
ouvimos treze desses “pagodes” funcionando.
– Gente cantando, bradando, gritando, rindo, batendo as mãos, dançando,
vibrando facões, brigando, e bebendo garrafões de cachaça. Quase não podiamos deixar
de imaginar que tinham sido arrombados os portões do inferno e tinham sahido os
demônios todos para realizarem o pandemonium e tomarem conta de nossa villa.
Todos os annos os batelões descem ao Pará gastando de seis até oito ou nove
mezes na ida e volta, e quando os barqueiros chegam a uma villa ou povoação
quasi, reina a anarchia.
Essa gente do alto
sertão tem muitos costumes singulares, como, por exemplo, levar á egreja os
moribundos, rezar ou lamentar altamente, uma parte ou toda a noite, os finados
á moda dos índios etc.
Quando ha eclipse
da lua a gente tem medo; mas quando ha eclipse total do sol, como aconteceu ha
poucos annos, a gente quase morre de medo, ajuntam-se nas casas e rezam. Elles
esperam o fim do mundo. Julgam que o mundo é chato e que as estrellas estão
collocadas um pouco acima das nuvens. Têm medo dos defunctos e fogem das casas
imaginando que os espíritos dos defunctos vem passear nas suas antigas
habitações.
Quando estão
doentes ou um pouco incommodados, não mexem na agua de modo nenhum. Como uma
mulher disse: “Quando estou doente, eu não metto nem a ponta do dedo da agua.”
Alguns ficaram admirados quando nós banhamos o rosto depois de beber uma
chicara de café.
Julgámos que será para gloria de Deus, o Pae de Amor,
narramos algumas experiências muitas que tivemos em Pedro Affonso: e tambem,
visto que já temos apresentado o lado mais assombroso da vida desta pobre e
desamparada gente, é justo que se mencione alguma cousa das suas virtudes e
bondades.
Um mez depois da
nossa chegada a essa villa, acabou-se o dinheiro que levamos comnosco ao
sertão; e por causa das grandes distancias e das difficuldades de communicarmos
com o mundo fora, não recebemos, até chegarmos em São Luiz do Maranhão, nada
mais desde que sahimos da Capital de Goyaz no mez de Novembro de 1897 até
chegarmos em São Luiz do Maranhão em Dezembro de 1898. Portanto, passámos muito
tempo sem dinheiro.
Quando é
difficillimo achar viveres quando se tem a bolsa cheia de notas do banco,
quanto mais é quando nada se tem!
As Biblias que
levamos comnosco foram mais ou menos estragadas por agua, porém demos muitas a
troca de sustento.
Além disso, Deus
nos deu muitos amigos entre este pobre povo. A família com que nos hospedamos
era bastante pobre; mas deu-nos hospedagem de graça e sempre recusava
recompensa; e mais, não obstante viverem uma vida de necessidade passando muita
fome, sempre repartiam comnosco qualquer alimento que achavam. Ás vezes tinham
só arroz, outras vezes quando apparecia uma cousa melhor, não deixava de
repartil-o comnosco.
Em outra
choupana morava uma viuva que era pobre demais. Póde-se imaginar a pobreza
della sabendo-se que a sua casa com o terreno, custou-lhe sómente 20$000. Ella
tornou-se interessada no Evangelho e convidou-nos muitas vezes a irmos a sua
casa para lermos e falarmos sobre a Palavra de Deus. uma vez o filhinho della
ficou doente sem ella poder cural-o. Fomos pois a sua choupana e fizemos oração
sobre o pequenito e elle sarou immediatamente. Ella fazia renda que vendia a
1$000 o metro, e tinha de trabalhar uma semana inteira para fazer um metro.
Muitas vezes comia uma só vez por dia, mas sempre repartia esta comida
comnosco. Muitas vezes procurava por toda a villa alguma cousa para nós. Para
poder existir, ella plantava uma rocinha.
Uma outra família convidava-nos sempre a
irmos a sua casa para ler e falar sobre a Palavra de Deus e sempre tinha prazer
em ouvir as preciosas Palavras de vida, e sempre se esforçavam para supprir as
nossas necessidades.
Outra familia de mulheres que faziam renda a
1$000 o metro, tornou-se interessada no Evangelho; começaram a ler o Novo
Testamento e “a Viagem do Christão,” nos ajudavam e éramos bemvindo a sua casa.
O sacristão, a sua
familia e a familia do seu sogro que também se tornou interessado no Evangelho
e lia a Palavra de Deus, nos ajudavam. E muitas outras familias e pessoas nos
manifestavam um sem numero de bondades.
Chegamos por fim
a não fazer mais caso da questão de alimento e nos entregamos nas mãos de Deus.
Aprendemos pois um
pouco da profunda significação das palavras “O pão nosso de cada dia nos dá hoje;” e tambem as
Palavras: “O meu Deus segundo as suas riquezas, supprirá todas as vossas
necessidades em gloria por Christo Jesus.”
Quando chegamos a
essa villa achamos muitos inimigos, mas quando sahimos deixamos muitos amigos.
No mez de
Agosto, chegou á villa de Pedro Affonso, vindo do Pará o Sr. Jorge W. Witte,
que tambem veiu abrir trabalho entre os indios.
O
Estandarte. Ano VIII, nº 19. São Paulo-SP, 10 de Maio de 1900, p. 2-3.
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