O início da fé evangélica em Sant'Anna do Paranahyba, atual Paranaíba-MS


Ilustração de: O Estandarte, Ano LXII, nº 23/24. São Paulo-SP, Dezembro de 1954
     
 Cumprindo a missão que me foi imposta pela Commissão de Evangelização, partí de S. José do Rio Preto no dia 23 de março á tarde, em demanda de Sant’Anna do Parnahyba, tendo como companheiros o colportor João Francisco Garcia e o irmão Urias Marcilio de Arantes. Fomos pousar na fazenda do Machado, em casa de nossa irmã D. Maria Innocencia, que mora com seu genro, por emquanto apenas congregado de nossa egreja. Por aviso prévio, lá se achavam congregados muitos irmãos e pessoas extranhas á egreja. Por occasião do culto, administrei a Sancta Ceia baptizei os seguintes menores: Sarah, filha de Antonio J. Machado e D. Leopoldina M. da Conceição; Odilon, filho de Anacleto de Campos e D. Ephigenia M. de Jesus; Amelia, filha de João José Ferreira e D. Conceição B. de Lima; Samuel, filho de José Alves Moreira e D. Manoela C. de Jesus.
     No dia seguinte fomos pernoitar no Jatahy, no sitio do irmão Joaquim Rezende, que brevemente fará sua profissão de fé. Devido á actividade deste irmão diversos vizinhos compareceram ao culto que se effectuou essa noite; e no dia seguinte de manhã maior ainda foi o numero dos ouvintes incredulos.
     Com algum trabalho acompanhado com as bençams do Senhor, dentro de pouco tempo Jatahy poderá ter uma boa congregação de servos de Jesus.
    A 25 prosseguimos, acompanhados do irmão Rezende, até a distancia de quatro léguas, onde nos despedimos com oração. A duas leguas de Jatahy, reside o Sr. José Alves, ancião verdadeiramente hospitaleiro. A sua bondade pode ser aquilatada pelo seguinte: na sala em que recebe os viajantes ha sempre quinze, vinte caixos de bananas para os viajantes comerem e levarem quantas quizerem gratuitamente. Ahi chegámos e depois nos fartarmos dellas e dellas nos sortimos para a viagem, fizemos culto, que foi assistido por muitos indivíduos, que lá estavam jejuando, pois era sexta-feira da Paixão.
     No Virador, proximo a um riacho, debaixo de uma arvore, á beira da estrada, arreiamos nossa barraca. Alta noite o Senhor fez chover. Acordamos sobresaltados com a chuva que o panno da barraca permittia que passasse. Valeram-nos os guarda0chuvas e a pouca duração da chuva mais forte.
      No dia 26, sabbado, passando por casa do Sr. José Honorio, onde fizemos culto, esforçavamo-nos por chegar á casa do Sr. João Baptista, para ahi falharmos o domingo. Chegamos effectivamente á agua de sua morada; porém já eram talvez oito horas da noite e perdemos o trilho de sua casa: ficamos sem caminho, no meio da capoeira. Voltamos então á estrada e ahi pernoitamos.
    Nós haviamos orado, pedindo que o Senhor determinasse o logar em que devíamos passar o domingo com proveito. Era este o logar que o Senhor determinara, em resposta ás nossas orações.
    No dia seguinte o Sr. João Baptista, que ia tractar de negócios, nos encontrou e nos convidou para irmos á sua casa. Logo depois chegaram dois carreiros, que assistiram comnosco o culto do meio dia, pela primeira vez. Pretendiam continuar a viagem nesse dia, mas se propuzeram adial-a para o dia seguinte, caso quizessemos ir á casa do Sr. J. Baptista fazer culo á noite.
      Aceitamos a proposta e á noite tivemos uma animada reunião na referida casa. Eram estes carreiros os senhores – João Damasceno e Theodoro Francisco dos Sanctos. Á noite compareceu á reunião mais outro carreiro – o Sr. João Philippe. Por todos fomos convidados a ir ás suas casas para fazermos culto.
     No dia 28 ainda fizemos culto junctos, e nós e os carreiros continuamos nossa viagem. Fomos pousar no Poção, onde chegamos ás 8 ou 9 horas da noite. O morador deste logar não mostra interesse pelo Evangelho, mas tambem não se oppõe a elle: gosta de conversar sobre assumptos religiosos.
     A 29 chegámaos ao Jacu Queimado, onde pernoitamos. O novo morador desse logar nos ouviu, sobre o Evangelho, com attenção.
    No dia 30, depois de algumas horas de viagem, chegamos á margem do majestoso Paraná, que conta ahi 960 metros de largura. Depois de uma demora de duas horas mais ou menos, chegou a balsa. O leitor talvez esteja pensando que é uma balsa muito forte e bem construida, afim de poder atravessar um rio tão grande; mas é justamente o contrario: é composta de tres canoas assoalhadas com taboas, amarradas apenas, não pregadas. E, além disso, não tem grade para impedir que os animaes saiam para qualquer lado. O rio ainda estava um pouco cheio e os quatro animaes, que puzemos na balsa, fizeram o peso exceder um pouco ao do costume, quando o rio não está vasio. O proprietário da balsa percebeu logo o perigo, mas nada disse, porque lhe convinha fazer todo o trabalho numa só viagem.  Quando estavamos mais ou menos no meio do rio, as aguas começaram a entrar numa das canoas, em grande quantidade: “Nossa Senhora!” – exclamou o barqueiro atemorizado. Felizmente mudaram a balsa de posição e por esse meio o Senhor nos poupou a vida ou pelo menos de grandes afflições. Ás tres horas da tarde, debaixo de um sol abrasador, estavamos nós do outro lado, contemplando alegres as aguas do grande rio.
    Depois de fallarmos com as pessoas presentes sobre o Evangelho, prosseguimos. Por haverem mudado o caminho, era nosso guia no campo o trilho de um carro. Porém com a noite o perdemos a ahi pernoitamos. No dia seguinte vimos os signaes de unhas de onça no tronco da arvore de baixo da qual dorminos. Felizmente ella não nos visitou nessa noite, graças a Deus.
    No dia 31 continuámos a marcha e á 1 hora da tarde, mais ou menos, chegámos ao rio Formoso, que, por haver estado muito cheio, tinha do outro lado um grande banco de areia. O irmão Garcia poz-se á frente; mas quando chegou na areia, o burro atolou-se e sentou n’agua, soltando o alforge e pellegos.
   O irmão Garcia saltou de cima em tempo e apanhou tudo. O burro, a custo, sahiu e voltou. Foi-nos preciso ficar em ceroula para atravessarmos a pé com a roupa na mão. Depois tomamos outro expediente: montamos a cavallo  e quando chegamos ao banco de areia, apeiámos e puxamos os animaes. Desta maneira conseguimos atravessar esse rio. Aproveitando o ensejo, nádamos um pouco. Dahi fomos pousar em casa do Sr. Chico Januario. Essa noite os animaes fugiram. Tivemos de pagar 5.ooo réis a um campeiro para descobil-os. No dia 1º de abril, depois do culto que se nos permittiu fazer, prosseguimos ás 3 da tarde e fomos pernoitar em casa do irmão Manoel Bispo, que nos recebeu jubiloso.
     No dia 2, sabbado, fizeram-se os avisos e no dia 3 préguei ao meio dia e á noite e recebi as seguintes pessoas por profissão e baptismo:
      Manoel Gonçalves Bispo, Maria G. Bispo, José Mathias da Silva, Anna J. da Silva, Sebastião Mathias da Silva, Brigida Francelina de Jesus, João Baptista da Silva, Maria Magdalena, Manoel Honorato da Rocha, Maria Helena Ferreira, Sebastião Honorato da Rocha, Maria Gertrudes da Rocha, Antonio de Lacerda Ramos, Romana Taquina de Jesus, Antonio Bernardo Martins, Belmira Francisca de Jesus, Joaquim Antonio da Rocha. Baptizei nessa occasião os menores: Guilherme, filho de Antonio Bernardo e D. Belmira F. de Jesus; Anna, dos mesmos paes; e Anna, filha de Sebastião Martins da Silva. Foi este um dia de grande regosijo espiritual. Passámos o dia ensinando a cantar hymnos e explicando as innumeras perguntas bíblicas que se nos faziam.
    No dia 4 deviamos ir á casa do irmão J. J. da Rocha, a 6 leguas, mas por falta de animaes descansados não fomos.
     No dia 5, fomos a Sanct’Anna do Parnahyba, onde fiz uma conferencia sobre a religião evangelica. O povo concorreu extraordinariamente. Todos ouviram com a maior attenção possível e ficaram muito bem impressionados, desejosos de que fizesse uma serie de conferencias.
    Era meia hora depois da meia noite, quando chegamos á casa do irmão Bispo. Ao montar a cavallo, senti-me incommodado e deitei-me incommodado: era o começo da molestia que havia apanhado. Passei o dia seguinte mal e fui cada vez peorando mais. Quando percebi que era a maleita, comecei a tractar-me com os remedios, adequados que havia levado propositalmente. Depois de tres dias de febre intensa e contínua, amanheci fresco. Passei ainda alguns dias muito fraco e com a cabeça atordoada, porém sem a febre voltar até hoje. Egual sorte coube aos meus dois companheiros – Urias e Garcia: o primeiro começou o tractamento com os medicamentos levados; o segundo, com uma grande extravagância, pois a sua theoria é que a maleita deve ser curada ou com muita dieta ou sem nenhuma. Preferindo a segunda, encheu-se de bananas, mel e água, até ao ponto de servirem de vomitorio. Á noite jantou bastante, apesar da febre que lavrava fortemente. No dia seguinte, dia de nossa partida, encetámos a viagem.
    Apesar da febre, recebi por profissão e baptismo, no dia, mais os seguintes irmãos:
    Rita Martins da Cunha, Maria Vicencia da Cruz, Maria Honorato da Rocha, José André Luciano e José Gonçalves Bispo. Baptizei os menores: – Thomé, filho de Candido Elias Ferreira e D. Rita M. da Silva; Isabel, filha de Vicente M. da Silva e D. Maria Vicencia da Cruz; Antonio e Ruth, filhos dos mesmos paes; Davina e Paula, filhas de José André Luciano e D. Maria H. da Rocha; José, filho de João Calixto e D. Ignez Calixto, fallecidos.
      No dia, 10, que foi o dia em que a febre me deixou, recebi ainda por pofissão os irmãos – Joaquim Jesuino da Rocha e Manoel Antonio da Silva; administrei a Sancta Ceia e invoquei a bençam de Deus sobre quatro casamentos.
     Impossibilitado de pregar neste e nos dias anteriores, substituiu-me o irmão J. Garcia, que ainda não se achava doente, pois só no dia 11 é que sua febre se manifestou.
    Desta maneira ficou feito o trabalho em Sancta. do Parnahyba. E no dia 12, ter-feira, á tarde, regressámos. Domingo, 17, passamos em casa do Sr. Theodoro Francisco dos Sanctos, um dos carreiros encontrados na ida. Tractou-nos muito bem, deu-nos os mantimentos de que precisávamos e, o que foi melhor, avisou os vizinhos sobre a prégação da noite, de sorte que sua casa se encheu de ouvintes que nunca tinham ouvido a Palavra de Deus. todos gostaram muito do que ouviram. A 20 nos achávamos em Rio Preto, havendo caminhado desde ás 3 da madrugada. A 21 estavamos em Worms. Eram 8 horas da noite quando chegámos á casa do irmão Bernardo Morgenroth, que, em companhia da família e camaradas, estava no arrozal, aproveitando o luar, batendo arroz ao pé de uma boa fogueira.
     A 22 cheguei a Pindorama, em casa do irmão Augusto e a 23 cheguei a esta cidade, onde encontrei a família com saude depois de dois mezes e 14 dias de ausencia.
    Próspero, muito próspero é por certo o trabalho evangelico de Rio Preto a Sanct’Anna do Parnahyba. O de que precisa é de cultivo. O nosso colportor João Garcia está prompto a desenvolver sua actividade este anno nesses logares e creio que a Comissão fará bem em determinar esse trabalho.
    Aos irmãos todos, peço uma oração especial por esse trabalho.
Campinas, 27 de Abril de 1910.
F. PEREIRA JUNIOR
Extraído de: O Estandarte. Ano XVIII, nº 19. São Paulo-SP, 12 de Maio de 1910, p. 3-4.
  

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