A Ilha da Madeira foi a escola de Robert Reid Kalley (1809-1888) na luta pela liberdade de culto. Kalley era médico e se encontrava na Ilha da Madeira por motivo de saúde de um familiar seu e foi nesta ilha que o Dr. Kalley aprendeu a língua portuguesa. Neste lugar, usou de sua medicina em socorro aos carentes e como missão de fé, ensinava a Bíblia aos que queriam ouvir.
Logo as perseguições e injustiças apareceram: “Em Julho de 1843 o Dr. Kalley foi lançado na prisão em Funchal, a fiança foi recusada com a desculpa que o crime praticado era digno de morte. Um ou dois meses mais tarde uma carta de excomunhão foi publicada contra todos aqueles que continuassem a usar a Bíblia de Pereira editada pela Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira... Com a interferência tardia do Governo britânico, o Dr. Kalley foi solto da prisão em Janeiro de 1844. Sua prisão foi ilegal... No início de 1845 outra ordem de prisão foi ordenada para prender o Dr. Kalley sob a acusação de que nas reuniões realizadas em sua casa ele falava doutrinas condenadas pela religião do estado. Desta vez, lhe foi permitido pagar fiança, mas foi advertido pelo Secretário do Exterior, Lord Aberdeen, que ele não seria ajudado pelo Governo britânico no tocante aos atos que as autoridades portuguesas pudessem adotar para removê-lo da ilha, caso permitisse que pessoas portuguesas se reunissem em sua casa para ler as Escrituras. O Dr. Kalley foi posto numa posição muito difícil. Se continuasse com as reuniões seria punido com o banimento. Se desistisse, poderia continuar com o trabalho individual, e sua presença encorajaria os crentes... No início de Agosto de 1846, rompeu-se a fúria e no dia 9 de Agosto, na presença do governador, da polícia judiciária e um batalhão de soldados, uma multidão violenta chegou à casa do Dr. Kalley... Disfarçado e escondido numa maca, o Doutor estava pronto a escapar pela baía para salvar a sua vida...”
Assim Kalley relata sua chegada ao Brasil: “Gastei a maior parte dos anos de 1853 e 1854 entre os refugiados, ajudando a aumentar o seu conhecimento, a sua fé e seu amor... Depois disto, fiquei muito impressionado com a deplorável destituição espiritual do Brasil, um império vinte vezes o tamanho da Grã Bretanha e Irlanda, cuja língua é o português, e isto me pareceu que meu conhecimento da língua e das pessoas na Madeira justificava a esperança de ser capaz de engajar sucesso em operações evangelísticas lá. Em Maio de 1855 desembarcamos no Rio...” The Medical Missionary Record, Vol. I, 1888, p. 304-309.
Um dos episódios mais conhecidos da estada do Dr. Kalley no Brasil foi a apreensão feita na alfândega brasileira dos exemplares de sua obra "O Ladrão na Cruz" em 1862. Kalley precisou recorrer às autoridades federais para liberá-los, pois o inspetor da alfândega, o Sr. Antonio Eulalio, considerava esta obra ofensiva à religião oficial do País. Enfim, em 22 de Dezembro de 1862 saiu uma decisão favorável a Kalley no Ministério da Fazenda, dando aval para a retirada de "O Ladrão na Cruz" da alfândega.
"Decisão nº 594. Fazenda. Em 22 de Dezembro de 1862. Sobre despachos de obras impressas obscenas ou contrarias á Religião de Estado. Ministerio dos Negocios da Fazenda. – Rio de Janeiro – em 22 de Dezembro de 1862. Haja V.S. de mandar admittir a despacho o volume contendo exemplares da obra “O Ladrão na Cruz”, pertencendo ao Dr. Roberto Reid Kalley, a que se refere o officio dessa Inspectoria de 21 de Fevereiro ultimo, ficando V.S. na intelligencia de que o art. 516, § 1º, do Regimento de 19 de Setembro de 1860, na parte em que prohíbe o despacho de obras impressas manifestamente obscenas, ou contrarias à Religião do Estado, deve ser entendido nos termos do art. 278 do Codigo Criminal, isto é, obras ou doutrinas que destruão as verdades fundamentaes da existencia de Deus, e da immortalidade da alma. Deus guarde a V.S. – Visconde de Albuquerque. – Sr. Conselheiro Inspector da Alfandega da Côrte."
Embora os cultos acatólicos fossem feitos em língua estrangeira, Kalley e sua esposa Sarah participavam de cultos no Morro da Saúde, no Rio de Janeiro, ministrados em português, sendo, pois, a primeira congregação evangélica a cultuar em língua portuguesa no Brasil.
Um de seus primeiros desafios como missionário e médico que era, foi enfrentar uma epidemia de cólera no Brasil em 1859: "No dia 26 de Maio, em Petrópolis, o subdelegado proibiu ao Dr. Kalley exercer a sua profissão de médico. Já no dia antecedente, tendo sido chamado pela autoridade, comparecera prontamente, para mostrar os seus diplomas, etc . Mas nem estes nem a aprovação dada pelas autoridades aos serviços que ele se oferecera a prestar e efetivamente prestou durante a epidemia do cólera — de nada lhe serviram. Negava-se-lhe a faculdade de socorrer os enfermos. Obedeceu. Não cessou, porém, a pregação do Evangelho. Em 12 de Junho, estava com os irmãos, no Rio, e ainda podia exortá-los na sã doutrina". (Lembranças do Passado, João Gomes da Rocha, 1941, p.93)
Em 27 de Dezembro de 1873 o chefe de polícia Hollanda Cavalcanti, em Niteroi, resolveu considerar os cultos realizados por um grupo pastoreado por Kalley como ajuntamento ilegal. Assim dizia o seu despacho: "Não tem lugar, nem concedo licença para taes reuniões. Secretaria, 27 de Dezembro de 1873. – Hollanda Calvacanti."
Sempre que sofria agressões e violações de liberdades garantidas pela Constituição em vigor no Brasil, o Dr. Robert Rei Kalley reclamava às autoridades competentes.
Comentários
Postar um comentário