Fazem approximadamente 21 annos que eu me
achava na cidade de Porto Alegre, provincia do
Rio Grande do Sul, como empregado do
commercio n'uma casa de ferragens, n'essa época
contava apenas 15 annos de edade.
Desde os meus tenros annos que consagrei cega dedicação ao estudo, e a meus companheiros de escola e outros, sempre pedia livros para estudar. Um de meus estudos favoritos era a physica e a chimica em que attentamente me occupava. Todos os dias eu fazia novas experiências mais ou menos faceis.
Um dia, em Porto Alegre, passando por uma casa de negocio de lampeões de kerozene e machinas de costura, parei diante de um escaparate para ver funccionar um pequeno motor que estava de amostra n'elle.
Não ficando satisfeito com ver, entrei no estabelecimento e pedi para vel-o de mais perto e até, como as crianças, agarrar para melhor satisfação.
Entrando na loja, deparei logo com um senhor que á primeira vista pareceu-me ser da raça Anglo-Saxona.
Conversei longamente com o dito sr. e me retirei depois, promettendo voltar para fallarmos sobre o mesmo assumpto.
Um dia a nossa conversação versou sobre o amor de Christo e elle me deu um Novo Testamento, uma Viagem do Christão e um outro livro pequeno, intitulado – Henriquinho e o seu criado Boosy. Levei para a casa onde estava empregado e de noite devorava as suas paginas.
Quiz a Providencia que me sobreviesse uma doença n’aquelles dias e tive que ficar de cama por algumas semanas. Depois do accesso da febre, e quando me achava convalescendo, comecei a ler o Novo Testamento.
Ignorante do caracter de Deus e de sua obra, não comprehendia nem sabia reunir o agradável ao útil, que encerravam as grandiosas verdades contidas n’aquelle santo volume.
A religião que então eu tinha era nenhuma, apesar de haver sido educado em collegios que nos levavam á missa e nos faziam estudar de cór paginas inteiras de uma – Doutrina Christã que então existia em uso nas escolas.
O indifferentismo e a incredulidade moderna já haviam invadido o meu espirito, e eu, cego, caminhava lentamente para um abysmo insondavel, quando esse Pão atirado nas aguas me deu o grito de: alerta! como que perguntando: que fazes oh homem, que tens feito sempre?
A historia da vida de Jesus, as suas doutrinas, a sua morte, a sua resurreição a ascenção aos céos, dispertou tanto a minha attenção, que não pude deixar de repetir sempre a sua historia em minhas horas de descanso.
No correr da vida e n’ aquella tenra edade, tive que deixar este paiz para engrandecer mais as minhas aspirações.
Deixei pátria e familia e me trasladei parado Rio da Prata, onde, depois de 4 annos, chegou ás minhas mãos, por intermedio do irmão André M. Mihoe, uma Biblia em Portuguez, que veio fazer reviver a leitura que havia deixado, quando estava n’este paiz. Comecei entao outra vez a ler o Thesouro de inexgotavel riqueza, e comprehendi a promessa de Deus em Christo, e quão horroroso é o peccado.
Ouvi o chamado de Deus e a promessa aos peccadores: “Vem a mim...” Lembrei-me logo do rico livro de João Bunyan que o norte americano me havia dado havia 4 annos.
A morte de Christo pelo peccador, que tinha lido no Novo Testamento, comprehendi-a melhor, e Deus, como á Lidia, abriu de par em par as portas do meu coração para n’elle enterrar a semente christã que no futuro germinaria e produziria os abundantíssimos e optimos fructos.
Cada dia fui experimentando na vida pratica aquella metamorphose que somente o poder de Christo pôde realisar no crente. Sentia viva necessidade nascida da verdadeira conversão, de fazer alguma cousa pela causa de Nosso Senhor. Porém, que fazer? eu tão vil e indigno peccador!
Meditei e pedi a Deus mais de uma vez com contricção e piedade que lançasse mão de mim e que se utilisasse do mais inutil de seus servos.
Prompto vi adiante de mim a árdua tarefa de Pontoneiro e não tardei em pôr mão no arado para lavrar o campo da ignorância do amor, e do perdão gratuito de Deus.
Prosegui com o trabalho percorrendo toda a Republica do Uruguay, a Republica Argentina, Paraguay, Matto Grosso e Rio Grande do Sul, e em cada villa ou cidade desdobrava o brilhante pendão do symbolo da Redempção e mostrava ao supersticioso, ao indifferente e ao incrédulo, que Jesus Christo era o fim da lei para a justicação, santidade e glorificação.
No dia 21 de Março d’este anno, fui destinado para um novo circuito, o circuito da provincia do Rio Grande do Sul. O centro das minhas operações é a capital da provincia, onde pela primeira vez conheci a luz da verdade christã. Quem diria que o poder de Deus e a sabedoria de Deus me arrastariam para ser mensageiro e interprete da Sua Divina Palavra?
Naquelle Pão atirado nas aguas pelo Norte-Americano, Deus cumpriu com a sua promessa, cuidando delle de tal sorte, que de um pão, quem sabe no dia da colheita, quantas alcofas serão levantadas para a gloria de Deus... Depois de 21 annos venho para a minha pátria com conhecimentos úteis para a edificação da igreja de Deus e o bem de meus patrícios e de todos aquelles a quem poder alcançar. A obra é grandiosa e cada dia rogo ao Senhor que me abençoe e me dê forças para seguir adiante com sua vontade. Oxalá, que depois de 21 annos – como succedeu commigo – se levante uma voz humilde como a minha, manifestando-me que eu foi o promotor de sua conversão! Deus sabe o que tem para fazer. E outros cahirão na boa terra e davam fructo, um cento, outro sessenta e outro trinta.
Para mim era uma tristeza não saber quem era o meu bemfeitor e agora que o descobri, cheio de gozo escrevo-lhe a presente, manifestando que para a minha satisfacção ser completa, me resta apertar cordial e fraternalmente a sua mão e verbalmente contar-lhe o que Jesus Christo fez por minha alma, sendo eu ainda miserável, coitado, pobre, cego e nu. Sou feliz, abaixo do Senhor Deus de todos, é a V. S. que eu agradeço.
Faço esta narração julgando que talvez alguém aproveite das emoções que mediante ella V. S. receba e que em tempo e fora de tempo atirem o seu pão sobre as agitas. Deus o cuidará.
João C. Corrêa
Extraído de: Imprensa Evangelica, nº 15, 1 de Agosto de 1885, p. 116-117)
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