Martinho Luthero (1483-1546)

  

"... No principio da edade moderna appareceu então um homem, um gigante pelo talento, dotado d’uma energia e vontade de ferro, e que dentro em pouco ia espantar o mundo. Esse homem era Martinho Luthero. Sahindo de origem obscura, Luthero conseguiu elevar-se acima do vulgar por uma rara intelligencia. Havia tomado o habito dos monges de Santo Agostinho, e já em 1517 era apontado como sendo um dos sábios lentes da universidade de Wittemberg, na Alemanha. Por esse tempo construía-se em Roma a Basilica de S. Pedro, Leão X, que então occupava a cadeira pontifícia, precisando dinheiro para costear as despezas enormes d’aquelle templo, havia adoptado, como já o fizera o seu antecessor Julio II, o systema da venda das indulgencias que consistia em conceder aos christãos a remissão dos peccados, em troca de donativos para aquella obra. Mas a venda das indulgencias tornou-se em pouco tempo um vergonhoso abuso. Luthero, presenciando isto n’uma visita que fez a Roma, e vendo mais a grande desmoralisação do clero, voltou para a Alemanha disposto a dar uma reforma á religião, ou sucumbir na lucta. Ao chegar á Allemanha, este grande homem declarou lucta abertamente. Principiou a combater por toda a parte não só a venda das indulgencias, mas tambem muitos outros prejuízos da egreja. Ao principio foram apenas dissenções quasi sem importancia entre Luthero e o padre que na Alemanha era o encarregado da referida venda. Por isso Leão X pouco caso fez do facto. Mas tendo Luthero em 1520 escripto um livro intitulado Liberdades Christãs, em que combatia todos os dogmas não declarados no evangelho, por exemplo o poder temporal dos pontífices, o celibato dos padres, os sacramentos, etc., e que o auctor teve o arrojo de enviar ao papa, este conhecendo então o perigo excommungou o reformador. Porém Luthero estava decidido e a excommunhão não o aterrou. Respondeu ao papa, queimando a bula em que este o fulminava, deante dos estudantes da universidade de Wittemberg. N’esse tempo já as doutrinas de Luthero tinham attrahido milhões de adeptos. Para o bom resultado da reforma, alliou-se com os principaes feudatarios allemães, nomeadamento com João Mauricio, príncipe de Saxe. O Pontifice, que na dieta de Spira havia concedido aos reformados a liberdade de consciência até que se reunisse o concilio de Toledo, retirou-lhes na mesma dieta em 1529 essa liberdade, porque via o grande numero de sectários que já tinha Luthero. Elles então protestaram (e desde essa época são conhecidos pelo nome de protestantes). No anno seguinte fizeram a confissão d’ Augsburgo em que declararam quaes os dogmas da nova religião. A lucta prolongou-se e Luthero mais arrojado e mais feliz que João Huss, viu os seus trabalhos coroados de bom exito. [...] Estas novas doutrinas espalharam-se rapidamente pela Suecia, Dinamarca, Hollanda, Noruega...” (O Recreio, nº 1, 9ª Série, Lisboa, Portugal, 3 de Março de 1890, p. 182-183).

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