"Junto com duas companhias, Gillanders de Auckland e Antão da Amazônia, acabei de retornar para casa depois das três melhores semanas de trabalho da minha vida. Foi uma campanha evangelística em miniatura em um canto remoto de um dos estados do nordeste do Brasil, onde o Evangelho vivo nunca fora pregado antes, mas onde a fiel colportagem da Bíblia foi realizada durante os últimos dois anos, e nunca o valor supremo desta obra teve melhor exemplificação. Nós cobrimos mais de quinhentas milhas, realizamos doze reuniões em cinco lugares diferentes, com uma média de cerca de cento e cinquenta pessoas em cada. Ainda assim, nenhuma palavra áspera e dura foi ouvida, e muitos foram manifestamente movidos pelo poder do Evangelho.
Nós viajamos em nosso carro Ford, e certamente nunca as virtudes daquele veículo clássico foram tão duramente testadas como nesta viagem. As estradas em alguns lugares eram quase intransitáveis até mesmo para carros de boi, com estradas íngremes e muitos pedregulhos que forçavam cada parafuso e rebite do carro, e queimavam todos os nossos freios em estágios críticos de descida, onde qualquer pequeno solavanco ou desvio extra nos teria jogado ribanceira abaixo. [...].
Sim, viajar era difícil e pesado, pois as estradas no Brasil central ainda estão numa condição muito primitiva [...].
Nosso principal objetivo era a pequena cidade de Tavares, o lar de nosso fiel soldado e colportor Antão, que conheci há doze anos, 2.000 milhas acima do Amazonas. Sua conversão naquela ocasião, e subsequentemente sua vida e testemunho fieis impressionaram maravilhosamente os habitantes da cidade, e muitos convites eu recebi para visitá-los.
Achamos as pessoas de todas as classes muito amigáveis e abertas, e realizamos quatro cultos evangélicos excelentemente bem atendidos nas principais casas principais do lugar, bem como uma impressionante reunião ao ar livre na tarde de Domingo. Muitos estavam convencidos e bem dispostos, e três deles fizeram confissão aberta de fé. Então pegamos o cavalo e cavalgamos mais para o interior, onde nem mesmo nosso valente Ford ousou ir.
Nossa próxima reunião foi arranjada às pressas, e completamente inesperada. Passando por uma casa de fazenda de aparência próspera, à beira da estrada, fiquei surpreso ao ver o próprio fazendeiro, um homem elegante e forte, deitado de um sofá debaixo uma árvore frondosa, enquanto supervisionava o trabalho de seus empregados. Ele parecia um homem muito doente, sofrendo, penso eu que, de câncer no estômago. Parecia algo natural parar por um tempo e falar com ele sobre a boa esperança, seguido por uma palavra de oração em seu favor. Profundamente interessado, o fazendeiro nos pediu para realizar uma reunião na casa da fazenda, que continha uma sala excepcionalmente espaçosa. O culto começou às seis horas e, muito rapidamente, mas calmamente, os trabalhadores da fazenda e vizinhos de milhas ao redor entraram na sala, até que cerca de cento e vinte homens e mulheres estavam presentes, todos quase sem fôlego, e atentos. Preguei sobre o Filho Pródigo, e senti que a verdade estava chegando ao coração de muitos. Isso foi imediatamente seguido por uma apresentação de lanterna sobre assuntos bíblicos, e concluindo com O Peregrino. Tudo isso era muito novo, estranho e inimaginável para a maior parte da audiência, e quando a reunião terminou às 8:30, ninguém parecia ansioso para ir embora, e todos começaram a conversar. A multidão era grande e o barulho era maior, mas, acima de tudo, logo ouvi falar de alguém que estava ansioso para resolver o assunto com Deus ali mesmo, apesar da oposição de alguns outros presentes. Ele era o diretor da escola local, um homem de cerca de vinte e cinco anos. Vindo até mim do meio do aperto, com o rosto branco e o corpo trêmulo, ele perguntou o que deveria fazer para ser salvo. Bem ali no meio da multidão, nos ajoelhamos juntos no chão de terra batido, e ele, de modo simples e sincero aceitou Jesus Cristo como seu Salvador. Dez minutos depois, estávamos acelerando em nosso caminho na intensa escuridão daquela noite, apenas com as estrelas para iluminar nossos passos incertos. Poucos dias depois, ouvimos que o diretor foi praticamente expulso do local por seus parentes furiosos. Ele agora está em Tavares, firme, esperando a direção da mão de Deus.
Quatro milhas além da casa do homem doente, nós paramos em outra casa de fazenda, onde encontramos cerca de cinquenta pessoas que estavam esperando pacientemente nossa chegada por cerca de duas horas, enquanto algumas tinham ido embora. Esta segunda reunião durou até quase meia-noite, e muitos outros homens viajantes entraram sem serem percebidos durante esse tempo e ouviram as estranhas Boas Novas. A quieta atenção era evidente como na reunião anterior.
Dezesseis milhas a oeste de Tavares há uma cidadezinha próspera e atraente chamada Princesa, e o chefe político do lugar, um homem robusto, e autoridade em toda aquela parte do Brasil, estava ansioso para que visitássemos sua cidade, onde o Evangelho nunca fora pregado. Chegando lá, fomos calorosamente recebidos por esse cavalheiro, que, além de deputado estadual, é um homem de caráter sincero, grande iniciativa e imensa coragem moral e física. Imediatamente ele colocou a grande escola local à nossa disposição para reuniões, e Gillanders e eu percorremos a cidade com convites e folhetos.
[...]
Naquela noite, tão logo as portas foram abertas, a grande escola rapidamente se encheu com mais de cento e cinquenta homens e algumas mulheres, enquanto um número igual talvez não conseguisse entrada. Nosso canto foi muito apreciado. Falei com liberdade sobre a canção de Zacarias.
[...]
Durante nossa estadia em Princesa, várias Bíblias, Novos Testamentos e Guias do Viajante foram vendidos, incluindo duas Bíblias para o chefe político, que agora é um leitor interessado, para não dizer mais.
Deixando este lugar muito interessante, seguimos por estradas terríveis até a cidade de Triunfo... Não encontramos nenhuma entrada lá, então continuamos nossa jornada descendo pela pior estrada de morros do Brasil. Somente a misericórdia de Deus nos trouxe em segurança sem desastres.
Era depois do escurecer, e estávamos muito cansados quando chegamos à cidade de Flores, e nos hospedamos em um hotel local para passar a noite, pretendendo passar o dia seguinte na casa de um fazendeiro amigável não muito distante. Eu estava deitado, metade vestido e quase dormindo na minha rede, quando de repente fui despertado pela entrada de uma dúzia ou mais de cavalheiros bem vestidos, mal discerníveis à luz da nossa vela. Era uma delegação de todos os chefes do lugar: o prefeito, o promotor público, o juiz, o diretor da escola, o comandante das forças que operavam contra os bandidos e outros, todos vieram nos dar as boas-vindas à cidade e nos oferecer todas as garantias de proteção de que precisássemos. [...] Uma guarda foi montada em nosso hotel a noite toda, e na manhã seguinte, bem cedo, do quartel, veio um piquete de cinco soldados armados que o tenente colocara à nossa disposição. Tudo isso foi muito surpreendente, e decidimos passar o dia lá. Visitei todas as autoridades da cidade para agradecer a boa vontade deles, e combinar com o prefeito uma reunião na Prefeitura, naquela noite, para satisfação de todos, exceto o padre. E ele imediatamente enviou uma delegação de aparência um tanto desonrosa, por conta dele, ordenando que não pregássemos e proferindo ameaças vagas sobre o que aconteceria se o fizéssemos, todas as quais ignoramos calmamente.
Naquela tarde, tivemos uma pequena conversa interessante com cerca de vinte ou trinta prisioneiros na grande prisão, entre os quais também vendemos duas Bíblias e cinco Novos Testamentos.
Enquanto isso, o padre se enfureceu e lançou delegação após delegação a todas as autoridades, exigindo que nossa reunião fosse proibida e, como o próprio prefeito me disse, fez com que todas as suas cabeças doessem com sua disputa barulhenta, mas tudo sem efeito, e soldados foram mandados para proteger nossa reunião. A autoridade principal chamou o padre para argumentar com ele e apontar a ilegalidade e o perigo de sua atitude, mas o achou intratável e chorando de raiva. Ele finalmente declarou que, se persistíssemos em nossa intenção, ele levaria a 'Hóstia Sagrada' para o meio da reunião. Agora, como esse pedaço de pão consagrado é para essas pessoas incultas quase o que a Arca da Aliança era para os antigos israelitas, tal ação só poderia ter gerado terrível confusão e derramamento de sangue. Alarmados com o perigo, o magistrado chefe e outro alto funcionário envergonhadamente nos pediram, como um favor a eles, que desistíssemos da reunião, o que eu finalmente e com pesar decidi que era a coisa certa a fazer. As melhores pessoas da cidade ficaram surpresas e indignadas com seu padre, e naquela noite, sentados na frente do hotel, tivemos muitas oportunidades de proclamar a verdade a ouvintes individuais. Cedo na manhã seguinte, seguimos o nosso caminho de volta para casa.
E assim a batalha do Evangelho flui e reflui no escuro Brasil, mas a maré fluindo está conosco, louvado seja Deus! Certamente, agora é o tempo aceito por Deus para esta vasta terra, e grandes coisas Ele fez e ainda fará."
Frederick C. Glass e a Bíblia no interior do Brasil © 2024 by Daiane Firme Cavalcante is licensed under CC BY-NC-ND 4.0
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