RODEANDO O MUNDO E PASSANDO POR ELE – WILLIAM AZEL COOK


RODEANDO O MUNDO E PASSANDO POR ELE
VIAGEM DE NOSSO IRMÃO W.A.COOK NO INTERIOR DO BRAZIL



CAPÍTULO VII
ESCOLAS FREDESCAS

    O trabalho dos frades em beneficio dos índios é geralmente o seguinte: Escolhem vinte e cinco kilometros quadrados de terreno mais ou menos, dentro do alcance das aldeias; edificam casas para as aulas, para os mestres, para internatos, capella, etc. Quando tudo fica prompto, dirigem-se, carregados de facões, enxadões, e mais outras cousas de que os índios gostam, ás aldeias e ahi compram ou seguram de algum modo alguns indios.

     O frade não assenta a eschola na aldeia nem ajunta as familias dos índios ao pé da eschola, nem deseja que estas venham morar junto da eschola. Mas antes, deseja e convida que venham fazer casas ao pé de sua santa gente, a gente christã (?), a gente por elle instruida desdes a infância e que, tendo-o por Deus, anda chafurdando-se no pantano pestifero do vicio, da ingnorancia e da superstição. Este povo, portanto, logo estabelece residencia ao pé do “santo frade,” e os meninos selvagens podem aprender na escholas as “doutrinas christãs (?)” podem ver estas doutrinas exemplificadas na vida do frade e na dos seus adeptos; e também, podem nutrit as suas almas com as bellezas da “civilização (?)” que os rodêa. Os pobres aborigenas, porém, acustumados desde o nascimento a andarem absolutamente á vontade, e estando separados do seu povo, não se dão muito bem com esta “instrucção” e “civilização” e não apreciam, e sempre que podem, fogem e voltam para casa.

A PROTECÇÃO DIVINA

       Não podemos deixar de recordar o modo pelo qual Deus cuidava de nós durante a viagem do rio Araguaya. Corremos muitas vezes grandes perigos, especialmente no alto Araguaya, e em certos outros logares por causa dos tocos e das pedras; caminhando de noite, levados pela força da corrente, o piloto e toda a gente ás vezes dormiam, e ás vezes escápamos de naufragio quase que por milagre. Muitos dias de tarde romperam sobre nós fortes temporaes e não podendo governar mais o botezinho, fomos ás vezes impellidos para o matto que se estende sobre a agua, e obrigados a passar a noite ahi. Outras vezes dormimos ou passamos a noite vizinhança de índios um tanto bravos.

     Outras vezes apanhamos algum peixão ou animal de caça na mesma hora em que tínhamos precisão, porque não levamos carne comnosco e fomos obrigados a depender da caça para nosso sustento.

     Um facto interessante aos amantes do fumo é que quando nossa gente apanhava um peixe grande, que não podia collocar na canoa de uma vez, quando conseguia encostal-o na canoa amassava um bocado de fumo e o mettia na boca delle paralyzando-o assim num instante.

SANTA MARIA DE ARAGUAYA

      Gasto um mez na viagem do rio Araguaya, chegamos ao antigo presídio de Santa Maria, povoação que foi fundada há quase cincoenta annos. Chegados a este logar, principiaram as nossas maiores difficuldades – as dificuldades de acharmos alimento. O alimento que trouxemos comnosco e as poucas cousas que existiam ahi foram devoradas quase num instante por nossa companhia. Arroz não havia, feijão quase nunca havia, farinha de mandioca era difficil obter, carne de gado só apparecia de vez em quando, peixe raras vezes por causa da enchente; o assucar talvez nunca houvesse lá, e a rapadura acabara-se logo; de sorte que quando estivemos doentes furtaram cincoenta grammas deste para fazer-nos uma chicara de chocolate; Leite, galinhas e ovos appareciam raramente. Offerecemos até cinco mil reis por uma garrafa de leite se achal-o senão poucas vezes. Uma mulher deixou de mandar-nos leite dizendo que o bezerro precisava delle. Para ella valia mais a vida do bezerro do que a gente. Uma outra mulher não queria vender leite dizendo que leite era sangue e ninguem deve vender sangue.

       Porem nessa povoação, que e “santa” só por nome, existem certas cousas em abundancia, – cachaça e fumo – dois venenos que operam poderosamente para a destruição de qualquer povo ou nação. Homens, mulheres, meninos e meninas, consomem quantidades enormes destes venenos, e as mulheres bebem tanta que algumas dellas ficam embriagadas. Este logar é o paraizo do vicio, da ignorância e da superstição, e a gente quasi adora aos “reverendos (?) frades.” Este pobre povo, porém, tem-se por “christão” salvo e sancto, e julgava que nós eramos o diabo encarnado.
     Prégámos ahi o santo Evangelho, distribuímos as Escripturas, e esforçamos-nos para espalhar um pouco de Luz naquella escuridão medonha.

     O velho Coronel, o homem mais illustrado naquelle sertão, tinha uma Biblia de Almeida muito estragada. Nós lhe arranjamos uma Biblia completa e lhe emprestamos um livro entitulado “Comparação entre a egreja de Roma e as Santas Escripturas”. Elle leu este livro, e nos disse particularmente que tudo era bem certo; mas não obstante isto, vae á egreja e dirige a reza berrando “Com minha Mãe estarei”, disse-nos que ia á egreja para que a gente julgasse que tem fé (??) e não o apedrejasse.

O Estandarte. Ano VIII, nº 13. São Paulo-SP, 29 de Março de 1900, p. 2-3.

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