A Feira da Vaidade

 

Extraído de: O Peregrino de John Bunyan: Livraria Evangelica, 11ª edição, Lisboa, Portugal, 1916, p. 96

No livro O Peregrino de John Bunyan (1628-1688) aparece um capítulo intitulado “A Feira da Vaidade”. Este capítulo reflete muito a sociedade atual: inversão de valores e oposição ferrenha aos ensinos da Palavra de Deus. Qualquer semelhança deste capítulo de O Peregrino de John Bunyan com os dias atuais, não é mera coincidência.

“O caminho que conduz á Cidade Celestial passa mesmo pelo meio d’esta povoação, e aquelle que quizer ir á Cidade Celestial sem passar por aqui terá de sair do mundo (1 Coríntios 5:10)” (BUNYAN, 1916, p. 96)

Como os costumes, linguajar e trajes de Cristão e Fiel eram diferentes dos moradores da Feira da Vaidade, logo lhes sobreveio perseguição ao passarem pela Feira da Vaidade.

“Um dos feirantes, querendo zombar d’estes homens, perguntou-lhes com insolência: ‘Que quereis comprar?’ E elles, encarando-o com muita seriedade, responderam: ‘Compramos a verdade’ (Provérbios 23:23)” (BUNYAN, 1916,  p. 97)

Por esta resposta de que queriam comprar a verdade, verdade esta que não existia naquela feira, foram Cristão e Fiel insultados e escarnecidos. Então o chefe da Feira soube do assunto e enviou seus amigos fieis para ver qual era o problema. Os peregrinos foram interrogados pelos juízes da Feira da Vaidade. O tribunal os considerou loucos e perturbadores da ordem pública e assim os prenderam.

O processo seguiu seus tramites, e, chegando o dia do julgamento, foram os peregrinos levados ao tribunal, e ali publicamente accusados. Era juiz do processo o dr. Odio-ao-Bem, e os pontos principaes da accusação eram os seguintes: Que os réus eram inimigos e perturbadores do commercio, que tinham provocado desordens e conflictos na cidade, e que haviam levantado um partido em favor das suas perigosissimas opiniões, desacatando completamente as leis do principe reinante.” (BUNYAN, 1916, p.99)

Contra os humildes peregrinos apareceram no julgamento as seguintes testemunhas: Inveja, Superstição e Adulação. Cada testemunha com sua acusação astuciosa contra a vida dos peregrinos.

Inveja disse: “...da propria bocca do réu ouvi que o christianismo e os costumes da nossa cidade da Vaidade são diametralmente oppostos, não podendo de fórma alguma harmonizar-se; do que se conclue, sr. Juiz, que não só condemna os nossos louvaveis costumes, mas tambem a todos quantos os. seguem e cumprem.” (BUNYAN, 1916, p. 100)

Superstição falou: “...sei, comtudo, por uma conversa que com elle tive n'esta cidade, que é muito perigoso. Ouvi-lhe dizer que a nossa religião é vã, e que por ella ninguem pode agradar a Deus; d’onde necessariamente se conclue que, na opinião do réu, é vão o culto que prestamos, permanentes os nossos peccados e certa a nossa condemnação. Eis o que tenho a dizer.” (BUNYAN, 1916, p. 101)

Adulação tinhosamente testemunhou assim: “Exmo. juiz e mais senhores que fazeis parte do tribunal, ha muito que conheço este réu, a quem tenho ouvido dizer coisas que nunca deveriam dizer-se. Tem elle injuriado o nosso excelso principe Belzebuh, e fallado com desprezo de seus illustres amigos, taes como do sr. Homem-velho, do sr. Deleite-carnal, do sr. Commodidade, do sr. Desejo-de-Vangloria, do respeitavel ancião sr. Luxuria, do cavalheiro Voracidade, e de muitos outros da nossa primeira nobreza. Tambem tem dito que, se fosse possivel pensarem todos como elle, não ficaria n’esta cidade nenhum d’estes distinctos cavalheiros. Ainda mais: nem v. exa., que foi nomeado seu juiz, tem escapado ás suas injurias; pois tem-lhe chamado maroto, impio e outros nomes injuriosos e insultantes, com que em geral qualifica a maior parte dos illustres personagens da cidade.” (BUNYAN, 1916, p.101)

Em sua defesa disse Fiel: “Direi, em primeiro logar, e em contestação ao depoimento do sr. Inveja, que as palavras por que me incrimina foram estas: Que todas as regras, leis, costumes, ou pessoas que sejam directamente contrarias á palavra de Deus são diametralmente oppostas ao christianismo... Quanto á segunda testemunha, o sr. Superstição, e ao seu depoimento, tenho a declarar que o que eu disse foi: Que no culto de Deus é necessario uma fé divina, a qual não pode existir sem uma revelação divina da vontade de Deus; e que, portanto, tudo quanto se introduzir no culto de Deus, em desharmonia com a revelação divina, não pode provir senão de uma fé humana, a qual é de nenhum valor para a vida eterna. Pelo que respeita ao sr. Adulação, pondo de parte o que vos disse de injurias e coisas similhantes, dizer que o principe d’esta cidade, com toda a sucia da sua côrte a que a testemunha se referiu, são mais dignos e merecedores do inferno do que d'esta cidade e d’este paiz. E terminarei, dizendo que o Senhor tenha misericordia de mim.” (BUNYAN, 1916, p.101-102)

Então o juiz, voltando-se para o jury, que durante toda a audiencia estivera ouvindo e observando, disse: Senhores jurados, vêde que este homem provocou um grande tumulto na nossa cidade; acabaes de ouvir o que as dignas testemunhas depozeram contra elle : egualmente ouvistes a sua replica e confissão. Pertence-vos condemna-lo ou absolve-lo; mas, antes de ouvir a vossa decisão, parece-me conveniente instruir-vos na vossa lei.” (BUNYAN, 1916, p.102)

“Ouvida a exposição da lei, retirou-se o jury, que era composto dos srs. Cegueira, Injustiça, Malicia, Lascivia, Libertinagem, Temeridade, Altivez, Malevolencia, Mentira, Crueldade, Odio-á-Luz e Implacavel, e, tendo cada um emittido a sua opinião contra o réu, decidiram unanimemente que os crimes estavam provados. E assim o declararam ao juiz.” (BUNYAN, 1916, p.103)

No fim de tudo, Fiel foi martirizado na Feira da Vaidade e Cristão teve seu castigo adiado, ficando algum tempo mais na prisão, prisão esta da qual escapou e continuou seu caminho rumo à Cidade Celestial.

 

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BUNYAN, John. O Peregrino ou a viagem do Christão á Cidade Celestial debaixo da forma de um sonho. 11ª edição. Lisboa, Portugal: Livraria Evangelica da Rua das Janelas Verdes, 1916

 

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