Semeando e colhendo

 

 Revista South America, Agosto de 1912, p. 78

Trechos do artigo Sowing and Reaping in Brazil de Frederick C. Glass

“Um dos principais lugares desse distrito é a cidade cercada por serras, Paraibuna, localizada a 30 ou 40 milhas ao leste de onde se localiza a pacata vila de pescadores, Caraguatatuba. Dezoito anos atrás, alguns missionários americanos tentaram pregar o Evangelho na antiga cidade, mas foram expulsos sem alcançar seu objetivo. Quinze ou dezesseis anos depois, um colportor dos nossos, agora um evangelista nativo, Benedicto Hirth, adentrando neste distrito, percorreu esta mesma cidade, e conseguiu o triunfo de vender Bíblias e muitos Novos Testamentos, mesmo em face de perigosa oposição. A maioria dessas Bíblias e Novos Testamentos, ao que parece, foram depois retirados do povo pelo padre deles e lançados, por ordens dele, no rio, mas, sendo levados pela correnteza, muitos foram recuperados por pescadores que viviam nas margens do rio. A esta altura foi também visitada a vila de pescadores, por ocasião deste incidente bastante extraordinário relatado na revista ‘Messenger’, publicada há alguns meses, num artigo intitulado ‘A Catholic Schoolmaster’. Grande interesse foi criado entre esse povo simples por meio da circulação da Bíblia e de folhetos evangélicos. Várias grandes reuniões foram realizadas por nossos irmãos colportores. Ultimamente sentimos que já era tempo de revisitar e evangelizar esses lugares, e Benedicto Hirth foi escolhido para isso. O plano de ação foi cuidadosamente elaborado e cercado de muita oração, e nosso bem experimentado colportor, Galdino, liderou o caminho com uma semana de colportagem em Paraibuna. Ele estava acompanhado por um de nossos novos convertidos paulistas, José, nascido naquela cidade, onde se afundara profundamente no lodo do espiritualismo, no qual se envolvia também a maior parte de seus parentes. Sua conversão foi um milagre da Graça, e esta foi sua primeira aparição em sua cidade natal desde a grande mudança em sua vida. A venda de Bíblias não foi muito grande, cerca de cinquenta exemplares ao todo, mas foi feito um trabalho fiel de casa em casa, e muitas centenas de folhetos circularam que tinham tema destinado a suscitar discussão e dissipar a indiferença. Por acaso foram à casa do padre raivoso e que tinha ódio da Bíblia, e ele os inundou com torrentes de insultos, declarou que suas Bíblias só podiam ser queimadas e, em resposta a um protesto razoável de Galdino, ofereceu-lhe violência física, da qual nosso irmão escapou com dificuldade. ‘Socorro’, gritou o padre, ‘esse negro’ (nosso colportor é moreno), “está falando contra os santos na minha própria casa’. Tentou expulsá-los da cidade e, falhando nisto, mandou pessoas comprarem o pequeno estoque de Bíblias a fim de queimá-las, mas mesmo com esta atitude se frustrou, pois o grande José, ao saber da trama, recusou-se a vender, declarando que o padre não tinha dinheiro suficiente, e nem havia dinheiro suficiente em toda a cidade para comprar um exemplar do Novo Testamento para aquele propósito. As notícias de tudo isso logo se espalharam pelo local, e a partir dessa hora as vendas melhoraram cada vez mais. O nosso alto e robusto José, companheiro de Galdino, causou grande impressão na cidade. A alteração no seu aspecto geral foi tão marcante e ele deu um testemunho tão bonito, e sem o cheiro de tabaco para estragar. Alguns de seus antigos vizinhos aprovaram muito, mas seus parentes espiritualistas expressaram grande desgosto, enquanto alguns de seus antigos companheiros malvados, de vício e crime, procuraram tirar proveito de sua mudança de comportamento. Um, deverdade, puxou uma faca em sua presença e jurou ‘sangrá-lo’ antes que ele deixasse a cidade. José suportou tudo isso com paciência e sem ira, embora seja grande o suficiente para ter esmagado seus inimigos. Durante esses dias, enquanto andavam com a Bíblia, pois nossos colportores carregam apenas a Palavra de Deus, também foram realizadas pequenas reuniões nos arredores da cidade, com assistência variando de 20 a 30 pessoas. Com a chegada de nosso irmão Benedicto Hirth, porém, foi alugado um grande salão no centro da cidade por duas noites e as reuniões anunciadas. Temos evidências para provar que um bando de assassinos foram realmente contratados numa vila circunvizinha para esmagar essas reuniões à força e fazer mal a nossos irmãos, mas a polícia ficou sabendo do caso, e toda a força policial local e extemporânea foi colocada à nossa disposição. Cerca de duzentas pessoas assistiram ambas as reuniões, e a estrada do lado de fora estava cheia de homens, mulheres e crianças. A mensagem do Evangelho, transmitida pela voz clara e retumbante de nosso irmão, foi ouvida por todos com grande atenção, e muitos que vieram perseguir nossos irmãos como se fossem demônios, viram que eram mensageiros de Deus. De todos os que ouviram as ‘boas novas’, ninguém foi mais solidário do que o Sr. A., um homem bastante desconhecido dos nossos obreiros, que, por mais que desejasse ouvir a mensagem e aceitar o convite público, optou por ficar do lado de fora com a multidão, a fim de proteger o evangelista e seus companheiros do perigo ameaçador. Ele havia comprado uma Bíblia há alguns anos e só pela leitura dela, auxiliado pelo Espírito Santo, a verdade entrou em sua alma, ele confiou em Jesus e instintivamente abandonou seus ídolos, seu fumo, bebida e outros vícios, nunca tendo ouvido a pregação do Evangelho, e seu grande desejo era fazer confissão pública de sua fé, como um ato definitivo de entrega e testemunho. Mas, ao final da segunda conferência, grande foi sua decepção, como, aliás, de muitos outros, quando o Sr. Benedicto informou-lhes que por vários motivos era necessário que eles seguissem para Caraguatatuba, mas prometeu-lhes duas mais reuniões na viagem de regresso... Em sua visita de retorno a Paraibuna, tentaram alugar o Cinema. O proprietário concordou a princípio, mas depois recusou, temendo que isso pudesse prejudicar seus negócios, mas felizmente conseguiram arranjar outro salão, embora menor, nas proximidades. Tal foi a atração da mensagem do Evangelho na voz alta, clara e tocada pelo Espírito de Benedicto, que tão logo nossas reuniões começaram, a plateia abandonou o Cinema em bando, nas três noites sucessivas de nossa missão. Depois de tentar em vão fazer nossos obreiros a mudar a hora das reuniões para atender os seus propósitos, tão grande foi o desgosto do dono do cinema que ele vendeu todos os assentos e etc., e fechou o cinema. Assim que Benedicto abriu a primeira reunião, levantou o Sr. A., exclamando: ‘Quero confessar minha fé e   quero fazer isto agora mesmo’. O Sr. Benedicto, não o reconhecendo e julgando que o homem ficara um pouco pior por causa da bebida, convenceu-o a sentar-se, dizendo que depois falaria com ele. ‘Tudo bem’, foi a resposta do Sr. A., ‘desde que eu possa me converter esta noite’, e sentou-se. As reuniões foram esplêndidas, muitos conterrâneos vindos das fazendas vizinhas e das margens do rio de onde aquelas Bíblias haviam flutuado dois anos atrás.  Muita atenção foi dada às mensagens cheias do Espírito dos nossos evangelistas. No final, quatro pessoas testemunharam publicamente aceitar o Senhor Jesus Cristo, e muitos evidenciaram um novo interesse dado por Deus no bem-estar de suas almas, enquanto, o Sr. A., provou ser um caso genuíno de conversão, completamente sincero e zeloso. O Sr. Benedicto voltou ao seu centro de missão em Salesópolis, que fica cerca de 80 milhas de distância de S. Paulo, mas, depois de alguns dias de descanso, achamos conveniente mandá-lo de volta a Paraibuna com o grande José como companheiro, para agir novamente enquanto o ferro está quente, e colher ao máximo este fruto de uma semeadura fiel da Palavra que dá vida.” (Revista South America, Agosto de 1912, p. 78-80)

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