Bom ou mau?: o ladrão na cruz retido na alfândega

 

“O ladrão na cruz”, escrito pelo missionário e médico escocês Robert Reid Kalley (1809-1888) foi publicado no jornal carioca Correio Mercantil, a partir da edição nº 85, de 27 de Março de 1861, p. 2. 

O primeiro capítulo é intitulado “Bom ou mau?”, e narra uma conversa entre dona Luiza Leal e o seu primo, Antônio Alves de Abreu, a respeito de um dos ladrões crucificados do lado de Jesus, mais precisamente sobre o ladrão que se arrependeu. 

Dona Luiza Leal mostrou a seu primo um livrinho que tinha a figura de um homem na cruz, e ela jurava que era Cristo crucificado. Mas, Antônio Alves de Abreu leu o letreiro na capa do livro que dizia: “O ladrão na cruz”. Ele disse à Luiza que aquela figura na capa do livro era do ladrão na cruz. Ainda duvidosa, Luiza Leal olhou de novo a figura do crucificado, e respondeu para seu primo: “Ah! Sim! É verdade! É o bom ladrão.”

Quando Luiza Leal se referiu ao ladrão que se arrependeu como bom, o primo dela retruca, e uma polêmica se levanta. Num dado momento da conversa, Antônio Alves de Abreu, já irritado com sua prima, diz: “Ele era bom? Muitas vezes não. Era um malvado que merecia o inferno.”

Assim uma polêmica instaurada entre os dois personagens da obra do Dr. Kalley.

Em 1861, Robert R. Kalley mandou “O ladrão na cruz” para ser impresso em Londres, Inglaterra. Em 1862, no desembarcar desta obra em forma de livro, o funcionário público de nome Antônio Eulálio, que trabalhava como inspetor na alfândega do Rio de Janeiro, resolveu reter a retirada do livro “O ladrão na cruz” por considerá-lo ofensivo à religião que o Brasil tinha como oficial na época.

O Dr. Kalley teve que fazer uma reclamação administrativa, reportando o caso da apreensão do livro de sua autoria ao Ministério da Fazenda. Em 22 de Dezembro de 1862, saiu a decisão nº 594 do Ministério da Fazenda, autorizando a retirada de "O Ladrão na Cruz" da alfândega. 

"Decisão nº 594. Fazenda. Em 22 de Dezembro de 1862. Sobre despachos de obras impressas obscenas ou contrarias á Religião de Estado. Ministerio dos Negocios da Fazenda. – Rio de Janeiro – em 22 de Dezembro de 1862. Haja V.S. de mandar admittir a despacho o volume contendo exemplares da obra “O Ladrão na Cruz”, pertencendo ao Dr. Roberto Reid Kalley, a que se refere o officio dessa Inspectoria de 21 de Fevereiro ultimo, ficando V.S. na intelligencia de que o art. 516, § 1º, do Regimento de 19 de Setembro de 1860, na parte em que prohíbe o despacho de obras impressas manifestamente obscenas, ou contrarias à Religião do Estado, deve ser entendido nos termos do art. 278 do Codigo Criminal, isto é, obras ou doutrinas que destruão as verdades fundamentaes da existencia de Deus, e da immortalidade da alma. Deus guarde a V.S. – Visconde de Albuquerque. – Sr. Conselheiro Inspector da Alfandega da Côrte." (Collecção das Leis do Imperio do Brasil. Tomo XXIII, Parte I. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1862, p. 474)


 

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